28.1.09

Second Life


"Será a vida uma fórmula circular?"

Acaba assim o tão anunciado "Second Life", em cuja ante-estreia tive a oportunidade de estar graças a um convite "just in time" da minha querida maninha.
Não sendo comentário de especial rasgo, posso dizer que, à parte os preconceitos usuais relativamente ao "cinema português", gostei.

Perdemos demasiado tempo a pensar no que faríamos com o que "não temos" e esquecemo-nos de dar o melhor de nós ao que "nos pertence". Mas afinal, o que é que temos e não temos? E o que é que nos pertence, na verdade?

Em todo o caso, sempre a contemplar as "grandes" pedras e sempre a tropeçar nas "pequenas"...

Noutro contexto, e quanto às "circularidades", aproveito para repescar um texto escrito há cerca de um ano, sobre as famigeradas taxas de utilização do queimódromo.

Vejamos se ficam os dedos

Consta que a Queima das Fitas passará a pagar pelo “Queimódromo”. Não se sabe quanto e, digamos, nem se sabe ao certo se tal irá acontecer. Mas, para todos os efeitos, a ideia está na rua e quem se lhe quiser opor que o faça depressa. Como pressinto estarmos perante uma espécie de “atira a ver se cola”, talvez o melhor seja garantir, mesmo, que a ideia não cola e, principalmente, que não “descola”.

O comum dos cidadãos julgaria que, estando em causa a cobrança de uma taxa de utilização de um espaço municipal, a Câmara se preparava para arrecadar uns trocos com a iniciativa e aliviar os cofres para “festas futuras”. Mas justamente esclarecidos, percebemos que a responsável por tão ditosa proposta é, afinal e “apenas”, uma empresa municipal que, claro está, “define os seus critérios e negoceia com quem quer negociar”. Num quadro de esotérica autonomia a que a Câmara, obvia e democraticamente, não poderá obstar. E que, de resto, o presidente da Câmara sublinha afirmando que “não tem que ser favorável” à decisão.

Assim sendo, ficamos “apenas” sem saber se, não tendo que ser favorável, terá que ser desfavorável. Ou se, não estando obrigado a ser favorável tem, ao menos, essa possibilidade. Ou, ainda, se podendo sê-lo, também poderá não sê-lo e acabar depressa com as nossas angústias. Confusos? Suponho ser isto o que se chama “a dialéctica parlamentar”.

Mas pondo de lado as vertentes dúvidas de paternidade e passando ao que nos interessa, parece-me óbvio que o simples facto de se considerar semelhante hipótese nos remete para uma cidade vácua, fragmentada e sem o menor sentimento de si.

Com efeito, se todas as cidades exemplares parecem apostar na identidade e na diferença, Coimbra prefere ater-se a uma irrelevância de alguidar o que, entenda-se, é a forma mais branda de qualificar o sentido estratégico de uma tal intenção.

Mas o pior é que, no meio de tamanha desorientação, tudo indica que ainda se não percebeu um facto simples: submeter a Queima das Fitas a uma espécie de saque administrativo equivale, no contexto da biografia coimbrã, a meter no prego as jóias da família. Um último, irreflectido e desesperado reduto. Chegados a este ponto e como a história sempre insiste em repetir-se, tudo o que resta é um final triste e anunciado. Vão-se os anéis. Vejamos, porém, se ficam os dedos.

Publicado no JN, a 21/02/2008

27.1.09

O tempo dos genéricos


As “bandeiras políticas” valem o que valem. “Animam” as campanhas, “distinguem” os programas eleitorais, afinam o perfil dos candidatos, normalizam o argumentário das “bases” . Mas também remetem para simplificações excessivas, dicotomias forçadas, arrebatamentos cegos, na medida em que contêm em si, por exemplo, ilusões como a de a política ser uma coisa “gira” ou a de que o seu exercício está ao alcance de todos. Não é verdade.

A política, na complexidade que encerra, na responsabilidade que convoca, na disponibilidade a que obriga, na exposição que sempre impõe, é uma grande chatice. Não é gira, nem essencialmente forjada na paixão. E raramente é compatível com as mensagens directas e luzentes que, por norma, são a veste das tais “bandeiras políticas”.

Mesmo o exemplo do presidente Obama, que à primeira vista contradiz este meu juízo, merece uma aproximação mais lúcida.

Todos gostaríamos de acreditar que o discurso, a elegância, o brilho, a família perfeita, o ar decidido, a juventude (?), provêm de uma única e sagrada conjugação astral, que depositou naquele homem todas as qualidades do mundo e o habilitou a reformar a história da humanidade.


Mas, por muito que gostássemos de acreditar nisso, a verdade é que, lá no fundo, sabemos que o “factor Obama” é uma conjugação mais terrena.

Por cada meia hora do “factor Obama”, tal qual o conhecemos, há dias, semanas, meses, de preparação exaustiva. E julgo-me em condições de garantir que, no essencial, uma preparação esforçada, meticulosa, desgastante, ansiosa, e não isenta, claro, do lado mais lunar da política.

Há meia dúzia de anos, a transposição para a agenda política nacional do que foi a “Agenda de Lisboa” - que deu, sucessivamente, pelos nomes de “choque”, primeiro, e “plano”, depois, ambos “tecnológicos”- arrebatou a sociedade portuguesa, como aliás se esperava que fizesse uma “bandeira política” de tão lustrosa envergadura. E de Coimbra, há muito anunciada “capital do conhecimento”, esperou-se que retomasse o fulgor, tirando partido do que seria a sua vocação natural. Não aconteceu.

Agora, não estou certo de que a bandeira tecnológica tenha, por si só, aptidão moral para mobilizar a cidade. Aos olhos de um povo cansado, desiludido e assustado, o refluxo de uma bandeira demasiado adiada merecerá óbvias resistências.

E nestes tempos incertos, creio que se estão a gerar condições para que Coimbra se centre mais no princípio activo de alguns remédios, do que na embalagem que lhes possa vir associada.

Creio, arrisco crer, que findou o tempo de algumas bandeiras vazias, de algumas ideias genéricas. Embora se aproxime, para quem quiser ver, o que talvez possamos chamar, na política, o tempo dos genéricos.

Hoje no JN.

21.1.09

Não és o único Bruno



Senhora professora: Meninos, hoje vamos falar sobre o que querem ser quando forem grandes.

Bruno Aleixo: Eu quero ser como o meu tio!

Senhora professora: Ai sim Bruno? E o que é que faz o teu tio?

Bruno Aleixo: É emigrante!

Senhora professora: Ah, muito bem! E onde?

Bruno Aleixo: Na França.

Senhora professora: E qual é o trabalho dele em França?

Bruno Aleixo: É emigrante.

(...)

Bruno Aleixo: Eu quero ser emigrante. Como o meu tio. Mas não quero ser na França.

Senhora professora: Então queres ser em que país?

Bruno Aleixo: Quero ser cá em Coimbra. Para poder dormir na minha cama.

(...)

20.1.09

Bons ventos


Aquilo a que assistimos hoje em Washington foi, para além de uma manifestação de fé em Obama, uma extraordinária afirmação do primado da política no mundo.

O problema da política não é, definitivamente, a política. São os politicos.

Capital da saúde



Não sei se quando, há quinze anos, o professor Linhares Furtado realizou o primeiro transplante hepático pediátrico em Portugal, Coimbra já se havia proclamado capital da Saúde. Mas foi-o, nesse dia, mais do que em muitos outros, ao longo dos anos que se seguiram.


Nesse dia frio de Janeiro, corria o ano de 1993, o Paulo, um miúdo de oito anos, pôde finalmente voltar a ser um miúdo de oitos anos, sendo o primeiro antes de muitos e, claro, o primeiro depois de mais que muitos.

O problema de alguns títulos - como o de capital da saúde - é quando tendem a transformar-se num mero epitáfio, depois do qual não acontece mais nada. E é por isso, também, que considero irrelevante se éramos ou não “capital” naquele 15 de Janeiro que, definitivamente, mudou a vida de muitos miúdos.

Para além de uma identidade histórico-formal - onde cabem o imaginário académico, a insubmissão cultural, o antifascismo, o fado, a medicina - Coimbra deve-se afirmar pela sua identidade substantiva, o que depende, largamente, dos seus feitos presentes e futuros, da sua criatividade, em especial, da sua capacidade de surpreender os outros.
E na área da saúde, que para além de um recurso médico-científico é, sobretudo, um bem público essencial, factor de desenvolvimento humano e condição da própria democracia, Coimbra tem fundadas expectativas de liderança. Sendo muito legítimo, e desejável, que avance nesse sentido.
Sucede que, para além dos “recursos naturais” de que dispõe no âmbito da prestação de cuidados, compreensivamente “mobilizadores”, Coimbra deve assumir o desafio, que é também responsabilidade, de marcar posição quanto ao próprio desenvolvimento do sistema de saúde em Portugal.


Coimbra tem, claramente, recursos para se constituir como fórum de reflexão multidisciplinar, como um verdadeiro observatório no contexto das reformas, na área da saúde, que vêm sendo implementadas um pouco por todo o mundo. Uma reflexão que, decisivamente, interpela os modelos clássicos neste domínio e o sensível quadro de relações entre a sociedade e o Estado. Isto numa atmosfera tendencialmente regulatória que, colocando em crise conceitos como equidade, qualidade e eficiência, testa quotidianamente o músculo do próprio Estado-Providência.

Para a “capital da saúde”, democrática e socialmente comprometida, não compreender a dimensão deste desafio seria imperdoável. Escusar-se a aceitá-lo seria, verdadeiramente, um pecado. Capital.


18.1.09

Camaradas



Quando leio que Manuel Alegre está a ser "pressionado" para criar um novo partido, ocorre-me que esta questão, pelo menos no que respeita aos "socialistas descontentes", é mais complexa do que parece.

Por muita ciência política que se meta no assunto, a verdade é que a extremada (muitas vezes, com recurso a ficções e fantasias irresponsáveis) divisão entre "aparelhistas" e "intelectuais", dentro do PS, há muito que deixou de ter um fundamento essencialmente doutrinário.

Lamentavelmente, há hoje socialistas incapazes de partilhar a mesma sala. E o mesmo partido, claro.



16.1.09

Nascer outra vez


Impressionante.

Foto: Gary Hershorn/Reuters (tirada do Público)

15.1.09

Déjà vu



Extraordinária a novela que se fez à volta dos e-mails do Ministério das Obras Públicas solicitando a diversas empresas um calendário de inaugurações e iniciativas para este ano.

A descontracção do Ministro na respectiva "justificação" e o desconforto de Luis Campos Ferreira (num exercício, apesar de tudo, intelectualmente honesto), "contraditando" na SIC-Notícias, dizem tudo sobre o assunto.

Mesmo concedendo no que os excessos de "comunicação" possam lesar a democracia (o que daria uma longa conversa), ficamos com a ideia de que há coisas que não se escrevem (ou dizem), por serem notícia. Escrevem-se, afinal, para serem notícia.

12.1.09

Viva o Alberto



Alberto João Jardim aconchegou o serão dos portugueses com ditos francamente extraordinários.
Disse, entre outras coisas, que existem "grupos no PSD" que o impediram de avançar para a liderança do Partido.
Nem tudo vai mal no Partido da Dra. Ferreira Leite.

Partidos Independentes...




Num artigo publicado, há meses atrás, no JN, defendi que os movimentos cívicos, "independentes" dos partidos - anti-partidários até - tenderiam a avançar para uma "institucionalização" para-partidária, senão mesmo partidária, apta a reproduzir todos os males do "aparelho". Nesse caso, transformar-se-iam, eles próprios, no objecto das suas críticas.

Quis com isso dizer que a qualidade do sistema não depende tanto dos modelos institucionais - que no actual quadro constitucional, sempre tendem a convergir - como depende da ética individual dos seus protagonistas, o que, apesar das mistificações, não se consegue por mera declamação de princípios, para português ver.


A última edição do Expresso, parece vir dar-me razão.

8.1.09

O homem que abria o piano



Tive o privilégio de assistir às quase duas horas de concerto que a Orquestra Gulbenkian deu em Coimbra, no passado dia 21(2007.09.21). A disciplina harmónica das propostas de Joana Carneiro e a inquietude dramática da sua direcção – a disputar a atenção do público com a orquestra propriamente dita – fizeram-me pensar que, apesar de tudo, não me apetece viver noutra terra que não esta. Assim estas coisas acontecessem mais vezes.

Digo “apesar de tudo” porque, mais do que gostaria, me deixo angustiar pelas nossas insuficiências urbanas e me deslumbro com outras paragens que, filtradas pela distância, parecem sempre ser mais e melhor. Mais modernas, mais compostas, mais ambiciosas e mais seguras de si. Melhor projectadas e melhor resolvidas.

Mas a verdade é que – embora longe de qualquer acto de contrição – não deixo de acreditar na minha cidade. De lembrar o quanto me conforta. O que, de resto, justifica as boutades a que às vezes me permito.
E voltando, pois, ao concerto, não resisto a partilhar o episódio da noite.

Tudo começou com o Festival Académico, Op. 80, de Brahms, ao que se seguiria um concerto para piano e orquestra de Rachmaninov. Mesmo na boca de cena, lá repousava um Steinway & Sons – de cauda, claro – à espera de quem lhe vibrasse as cordas. Terminado o Festival Académico, ficámos à espera do pianista. E, de facto, lá acabou por entrar um sujeito aprumado, arrebatando parte significativa do público – comigo incluído – que lhe rendeu homenagem com um fortíssimo aplauso. O homem, aproximando-se do instrumento, abriu-lhe a cauda e retirou-se. Era, afinal, uma espécie de assistente da orquestra.

Foi quando, ciente do meu próprio ridículo, pensei no quanto às vezes nos deslumbramos com as aparências. Um fato vincado, o contexto propício e o contágio das massas numa sala quase cheia, converteram em estrela da noite o cidadão que se limitava (sem desprestígio!) a abrir o piano. De resto, tal como uma “boa moldura” e a dose certa de ignorância permitem mistificar muito boa gente.

Ora, aqui – e de regresso à vida política da minha cidade –, estimo bem que nenhum dos talhados para “abrir o piano” se ponha a jeito para nos ditar a sorte.
É que no concerto da Gulbenkian, o homem que abria o piano teve o bom senso de não se galvanizar com o equívoco e de não arriscar a performance. Uma prestação razoável (estes assistentes são, por vezes, modestos instrumentistas) talvez iludisse muitos de nós.
Temo, porém, que nem sempre os aprendizes primem pela sensatez. E há certos domínios em que, pura e simplesmente, não se admitem prestações razoáveis.