31.3.09

O complexo do “self-made man”


“Não me sinto digno de ser doutor”. A frase vinha com destaque numa edição recente do Jornal de Notícias e ganha eloquente expressão por ser da autoria de José Mourinho. Doutorado “honoris causa” pela Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa, Mourinho afirmou que não quer ser chamado doutor e que o galardão - “uma dos maiores orgulhos das sua inquieta humanidade” - lhe traz “maiores responsabilidades”.

Aquele que é, provavelmente, um dos treinadores mais aclamados de todos os tempos, não hesita em afirmar-se um “special one”, mas revela desconforto, prudência, humildade até, quanto à possibilidade de lhe chamarem doutor.

Pois claro. Ser um extraordinário treinador, pretendido pelos melhor clubes do mundo, um exemplo de sucesso e profissionalismo permite vê-lo como alguém especial. Mas não suficientemente especial para ser doutor. Mourinho, a quem certamente não interessam estas minhas especulações, acaba, pois, por dar expressão a um preconceito típico na sociedade portuguesa, que Coimbra interpreta de modo muito particular: o complexo do “self-made man”.

A sociedade portuguesa convive, indulgentemente, com alguns exemplos de sucesso, forjados à margem das academias e do saber formal, o tipo de predicados que durante muito tempo se confundiam mesmo com a descendência das boas famílias. Mas isso não impede que, em círculos mais restritos, se assinale algum desprezo pela “escola da vida”, muito confundida - creio que injustamente - com uma certa apetência videirinha.

Coimbra, por sua vez, é ela própria a “cidade dos doutores”, exponenciando, subliminarmente, o complexo do “self-made man“. Resulta claro que uma “cidade dos doutores”, embora possa usar de alguma bonomia na convivência com os “self-made men”, não deixa de lhes recordar que a sua presença representa uma consentida profanação. Creio que perdemos, com isso, um capital de sucesso, competência e profissionalismo.

Coimbra, ao contrário de Mourinho, considera-se digna de ser doutora, mas resiste, não sei se por humildade, a ser uma “special city”. Resta-me acreditar que, tendo-se proclamado, há dias, uma cidade “inteligente”, acabe, mais tarde ou mais cedo, por chegar lá.

Hoje, no JN.

30.3.09

Preview



Aquele que é, provavelmente, um dos treinadores mais aclamados de todos os tempos, não hesita em afirmar-se um “special one”, mas revela desconforto, prudência, humildade até, quanto à possibilidade de lhe chamarem doutor.

Pois claro. Ser um extraordinário treinador, pretendido pelos melhor clubes do mundo, um exemplo de sucesso e profissionalismo permite vê-lo como alguém especial. Mas não suficientemente especial para ser doutor. Mourinho, a quem certamente não interessam estas minhas especulações, acaba, pois, por dar expressão a um preconceito típico na sociedade portuguesa, que Coimbra interpreta de modo muito particular: o complexo do “self-made man”.

25.3.09

The rat samba


Saudades dos protagonistas. Explícitos e implícitos. Vocês são os maiores.

(vídeo, clicando na imagem)

24.3.09

Vital, Coimbra e a esquerda

Vital Moreira foi meu professor no segundo ano do curso de Direito. Foi dos poucos que teve o condão de me fazer levantar da cama às sete da manhã, com devota regularidade, para assistir, pelas oito, às suas aulas de Direito Administrativo. E gosto de pensar que esse dado biográfico, creio que partilhado, à data, com quase todos os colegas da “ segunda turma”, aqueles cujo nome estava para lá de “Jorge”, me acomoda no grupo dos que não fazem nenhum sacrifício para saudar a escolha do seu nome para cabeça de lista do Partido Socialista às eleições europeias.

Sou, portanto, também, dos que encaram com genuíno entusiasmo a campanha que se avizinha e que acreditam, sem reservas, na candidatura de Vital Moreira como um passo sensível na valorização da vida política nacional.

Porque acredito que faz falta à política portuguesa um regresso às ideias, à cultura e aos valores, interessam-me menos os supostos efeitos da candidatura de Vital Moreira no eleitorado de Esquerda do que me interessam a lucidez e a profundidade com que analisa a encruzilhada europeia. E por aquelas exactas razões, devo acrescentar que também me interessa menos a filiação coimbrã do candidato do que me interessa a convicção de que defenderá, no parlamento, a cidadania europeia e o projecto europeu.

Creio, pois, que só por maldade, talvez também por ignorância - o que não é menos grave - se pode colocar a opção Vital Moreira no plano rasteiro da mercearia eleitoral ou cingi-la ao quadro complexo, bizarro, vagamente bipolar, por vezes, da malfadada afirmação coimbrã.

Quanto a este último ponto - o da afirmação coimbrã - não devo desconsiderar que a cidade enfrenta um devastador sentimento de orfandade, uma agonizante ausência de liderança, a constante confirmação de um rotundo fracasso - na cultura, no desenvolvimento económico, na sua própria identidade - sob os auspícios da mais inquietante comiseração pátria. Uma cidade seca que reage, como uma esponja, à menor gota de esperança .

Mas sejamos claros. Vital Moreira não é pertença de Coimbra, nem o seu mérito decorre, na essência, de qualquer reconhecimento local. Ao invés de “canibalizar”, ao retardador, o mérito dos seus mais ilustres, há uma parte de Coimbra que talvez deva compenetrar-se mais em “descobri-los”, consequentemente, antecipando, com coragem, a nunciatura Lisboeta.

Hoje, no JN.

23.3.09

Preview


(...)Creio, pois, que só por maldade, talvez também por ignorância - o que não é menos grave - se pode colocar a opção Vital Moreira no plano rasteiro da mercearia eleitoral ou cingi-la ao quadro complexo, bizarro, vagamente bipolar, por vezes, da malfadada afirmação coimbrã.(...)

18.3.09

Tabernas


A câmara de Coimbra propôs-se criar uma “Rota das Tabernas” na cidade, para consumo turístico e afirmação histórico-cultural, com direito a certificação administrativa. Sendo esta, de facto, mesmo no notável contexto da sua acção autárquica, uma medida de grande expressão e, devo reconhecê-lo, uma encantadora “obra de regime”.

Aqueles que, como eu, gostam de carapaus com molho à espanhola, não deixarão de me acompanhar no entusiasmo com que observo esta recente ambição. Os “comes e bebes” são, definitivamente, uma causa agregadora. E ademais, erigir uma “Rota das Tabernas” sobre os escombros de uma cidade deprimida, denota um sentido de oportunidade que não é, totalmente, desprezível.

Creio, aliás, que os dois argumentos - um estritamente gastronómico e outro mais no domínio da psicoterapia social - terão sido decisivos no acolhimento que a ideia acabou por ter, logo muito difundida pelos media. Coimbra volta a marcar a agenda e a afirmar-se pelas suas peculiares características. E o país, certamente, observa-nos com expectativa e admiração. Alguma inveja, suponho, também, por sermos primeiros a retomar o “copo de três” e as suas propriedades no suavizar da crise.

As almas menos avisadas terão sido persuadidas de que Coimbra subsistia, estranhamente, a coberto do desemprego. Franquear a porta às tabernas seria, pois, uma mais que merecida celebração colectiva. O tipo de celebração que justificaria, no mínimo, “meia” de iscas, uma côdea de pão e uma pucheira de tinto.

Pelo contrário, Coimbra responde à crise, uma crise muitíssimo anterior ao “subprime” e aos “mercados financeiros”, precisamente, com a “Rota das Tabernas“. Não se lhe conhecem, francamente, outras medidas de tanto alcance. O que é, para além das loas que já se teceram, um acto de superior coerência.

De facto, as “tradições de outrora” são o terreno mais fecundo da “reacção” Coimbrã. Coimbra tem persistido em “reagir” às suas crises com alqueires de tradição e almudes de história. O que vai bem, devo reconhecer, com o “legado geracional de incontestado pendor histórico”que são, afinal, as tabernas.

Temo, porém, que encostar a barriga da cidade a um balcão e deixá-la por ali a marinar, em molho de escabeche, sob a imagem da Rainha Santa, peque por moderada ambição. Fica-lhe a faltar, talvez, uma travessa de moelas.


Ontem, no JN.

12.3.09

Mudar Coimbra para mudar [...]

O “postal” da acrópole encimada pela Cabra é decerto aprazível; aceitá-lo sem reservas é, eventualmente, uma delicadeza triste.

[Apologia crítica]

11.3.09

Clássicos

Dr. Carlos Encarnação, em comovente defesa das filarmónicas:

"Quando temos olhos para a cultura, temos de ter olhos para toda a afirmação cultural. Não apenas para as afirmações culturais que estão na moda, mas para as que constituem a espinha dorsal do conhecimento do nosso povo".

(negrito meu)

Mais sobre este clássico, aqui.

Saudades


Do cheiro quente das torradas antigas. E (porque?) do tempo em que achei que seria neto para sempre...

10.3.09

Mudar Coimbra para mudar


A democracia é o governo da maioria. Respeitando as minorais, sujeitando-se a contrapesos e controlos, é certo, mas suponho que esta ideia de governo de acordo com a vontade maioritária do povo é, em termos empíricos, o que mais caracteriza o regime. E ainda bem que sim.

Não creio, porém, que a intenção inicial fosse sequestrar as ideias, fazê-las reféns de um pré-juizo redutor, vergando-as a um presumível potencial de adesão maioritária. Mas observo que foi aí, no final de contas, que chegámos. Nos tempos que correm, raramente as ideias são sujeitas ao juízo popular. Ou porque não são novas - e o juízo está feito - ou porque já foram testadas, no bas fond das sondagens, uma espécie perversa de primárias.

Não há espaço, portanto, para grandes invenções. E não há, sobretudo, espaço para debater seja o que for.

Se as ideias fossem lançadas para a opinião pública, apenas de acordo com a convicção dos seus autores, a democracia seria, porventura, mais estimulante. Caberia a cada um bater-se por aquilo em que acredita, convencer os outros da bondade dos seus propósitos. Mesmo que não fosse fácil. O mundo avançaria mais e melhor.

Mas o que acontece, na verdade, é que as ideias só se apresentam quando não há “nada para discutir”. O que significa, então, que vêem a luz do dia apenas quando se crê que a sociedade não lhes oferecerá grande “resistência”. Subtraídas de qualquer força criadora. Não se muda para mudar. Muda-se, afinal, para ficar tudo na mesma.

É nisto que penso de cada vez que me ponho a “inventar” sobre Coimbra. E foi nisto que pensei quando, recentemente, me ocorreu a ideia de um banho de cor na fachada histórica da cidade, entre a Universidade e a Portagem. Talvez sob a orientação de um arquitecto reconhecido, porque não pintar de fresco, mudar mesmo, aquele velho postal?

Aparentemente, uma iniciativa deste tipo apenas sublimaria a tendência cosmética a que o regime também parece submetido, mas creio que o potencial de provocação, de desassombro a que faz apelo, despertaria esta nossa terra viúva, esta terra de negra saudade. Seria, talvez, um “pequeno passo” (inquietante, raso, pífio até) para muitas das nossas “forças vivas”, mas um enorme sobressalto para um debate urgente, incontornável, sobre a identidade coimbrã. E uma janela aberta sobre o futuro.

Recordo a Casa da Música, no Porto ou o CCB em Lisboa , como exemplos da força criadora de uma boa controvérsia. Acrescento a iniciativa da Société d’Exploitation de la Tour Eiffel, assinalando os 120 anos do monumento em 2009, que construirá um novo deck de observação, executado em kevlar, conectores de aço e teia de metal, assinado pelo atelier do arquitecto francês David Serero. Muito longe de ser consensual.

Não pretendo sustentar que uma espécie de peeling urbano possa salvar a cidade, mas também não vamos lá, definitivamente, com os atavismos do costume.

Hoje, no JN.

9.3.09

Con(sensual)

Preview


Recordo a Casa da Música, no Porto ou o CCB em Lisboa , como exemplos da força criadora de uma boa controvérsia. Acrescento a iniciativa da Société d’Exploitation de la Tour Eiffel, assinalando os 120 anos do monumento em 2009, que construirá um novo deck de observação, executado em kevlar, conectores de aço e teia de metal, assinado pelo atelier do arquitecto francês David Serero. Muito longe de ser consensual.
Não pretendo sustentar que uma espécie de peeling urbano possa salvar a cidade, mas também não vamos lá, definitivamente, com os atavismos do costume.

4.3.09

Boas Notícias (3)


TPI quer julgar Presidente sudanês por crimes contra a humanidade

O Tribunal Penal Internacional passou hoje um mandado de captura em nome do Presidente sudanês. Omar al-Bashir é acusado de crimes de guerra e crimes contra a humanidade e é o primeiro chefe de Estado em funções procurado pelo TPI.


in, "Público"

Já morreram 300 mil pessoas desde o início da guerra em Darfur, em Fevereiro de 2003.

Contra corrente


Coimbra parece rendida aos sortilégios do Plano Tecnológico, encantada com as salvíficas intenções de converter o seu tecido económico (?) num "centro de excelência" da "economia do conhecimento": i-Parque, incubadoras, investigação, tecnologia de ponta, blá, blá, blá.

Tudo isto, sendo tardio, é importante, concedo.

Apenas, se no passado a "famigerada indústria" era sinónimo de desordenamento, poluição, "desqualificação" e "desconsideração" de muitos recursos humanos, hoje, a indústria, toda ela, está sujeita a Directivas Comunitárias e a complexos normativos nacionais que fazem o caso mudar muito de figura.

Por isso, venha a economia do conhecimento, mas venha também a indústria, globalmente considerada, desde que balizada por normas ambientais, de ordenamento, de decência socio-laboral.

Nesta perspectiva, venham as "unidades de produção" de componentes electrónicos, de recursos biotecnológicos. Mas venham também, se for caso disso, fábricas de tijolos ou resgate-se a cerâmica. Produza-se riqueza, dê-se emprego às pessoas, encoraje-se a iniciativa, toda ela. Não apenas a que se "compromete" com a Universidade.

Será que Coimbra, tantos anos depois, e no estado a que chegámos, se pode dar ao luxo de pensar de outra forma?

2.3.09

Boa escolha


A escolha de Vital Moreira para cabeça de lista do PS às próximas eleições europeias talvez alargue, à esquerda, a base eleitoral do partido.

Mas creio que não essencialmente pela biografia do candidato.

O primado do conteúdo sobre a forma caracteriza, mais do que o resto, o património da esquerda democrática.