27.10.09

Assembleia, sem ambição



Eu gostava que a próxima presidente da assembleia municipal de Coimbra fosse a professora Helena Freitas. Concretamente, gostava que a sua eleição reflectisse a maioria de mandatos que a população confiou à esquerda política, nas últimas eleições autárquicas. Mas, tanto quanto consigo alcançar, não é o que vai suceder. Para pena minha, pois acho que isso representa um entorse democrático e, talvez mais grave ainda, uma oportunidade perdida.

Os executivos mistos e as assembleias municipais de sinal contrário ao executivo, ao pretenderem introduzir uma nota de pluralismo no governo das autarquias, fracassam sempre que redundam num bloqueio sistemático, ditado pelos estados de alma partidários, mais do que pelo interesse público municipal. Porém, a única coisa que esta opinião me concede é o direito, talvez o dever, de lutar pela respectiva reforma legislativa, de devolver a palavra ao juízo dos eleitores e esperar que, lá das profundezas democráticas, venha uma sentença do meu agrado. Caso contrário, posso ainda escrever e falar sobre o assunto, talvez rasgar as vestes frente a um órgão de soberania, mas é tudo, e não é pouco, o que o regime tem para me consolar.

No caso das assembleia municipais, a lei abriu a possibilidade de conformarem uma maioria diferente da que preside ao executivo e, com o devido respeito, as opiniões de cada um sobre o assunto não devem determinar, a priori, a exclusão dessa possibilidade. Acho, pois, que eleger Helena Freitas como presidente da Assembleia Municipal de Coimbra deveria ser uma opção seriamente ponderada, ao invés de esbarrar, como parece ter esbarrado, na opinião – de resto, contrária ao espírito da lei – de que quem ganhou as eleições para o executivo, mesmo não tendo maioria na assembleia, deve escolher o respectivo presidente. Se o PS fizesse eleger a sua cabeça de lista como presidente da Assembleia Municipal de Coimbra, teria uma boa ocasião para se afirmar como um partido responsável e sensato, não impedindo Carlos Encarnação de governar, mas fiscalizando-o à esquerda, como decidiu o povo, no último dia 11 de Outubro. O que me remete, finalmente, para a ideia da oportunidade perdida.

Com efeito, defendo há bastante tempo que as candidaturas autárquicas do PS, em Coimbra, deveriam passar por uma coligação à esquerda: aberta, plural e tolerante. Não apenas porque a direita já perdeu há muito os seus complexos na matéria, apresentando-se coligada, mas também porque julgo ser essa a melhor forma de interpretar o sentido de voto dos eleitores de Coimbra, nas sucessivas eleições. E também, ainda, porque acredito em políticas locais de esquerda, o que já explicitei no passado e terei gosto em explicitar num futuro muito próximo.

Razões que me transcendem – e que parecem ser mesmo transcendentes – têm impedido esse entendimento. Mas julgo que este acordo para a Assembleia Municipal seria um bom primeiro passo. E que a sua recusa, a priori, é um tremendo desperdício.

Fica o desabafo e uma nota de perplexidade: a decisão parece estar tomada sem que, para o efeito, se pronuncie o órgão próprio do partido.

22.10.09

Esclarecimento

Notícia hoje publicada pelo “Campeão das Províncias” sugere-me o seguinte esclarecimento:

1.Não há nenhum processo eleitoral em curso no seio da Concelhia de Coimbra do PS, o que, desde logo, impede que eu seja candidato à presidência daquele órgão.

2.A Concelhia de Coimbra em funções termina o seu mandato em Abril próximo, foi democraticamente eleita e deve ser, como tal, respeitada.

3.O acima exposto e a dignidade com que os candidatos do PS se bateram nas últimas eleições autárquicas – ainda há pouco mais de uma semana! – recomendam contenção.

4.Outra actuação até pode ditar vitórias internas, mas não logrará obter o respeito dos cidadãos.

5.As eleições internas, dentro do PS Coimbra, devem deixar de ajustar contas com o passado. E era bom que passassem a ajustar contas com o futuro!

6.O PS Coimbra só voltará ao fulgor de outros tempos quando for, simultaneamente, um partido próximo dos militantes, eticamente irrepreensível, intelectualmente estimulante e genuinamente fraterno. Sem reunir estas condições, não ponderarei “perfilar-me” para qualquer candidatura.

20.10.09

Coimbra, sem ambição


O povo de Coimbra foi às urnas e reelegeu Carlos Encarnação. E eu, depois de pensar muito no assunto, concluí o seguinte: o povo está satisfeito com o dr. Encarnação, não tem vontade de mudar e por isso lhe renovou o mandato. Ponto final? Não. Ponto e vírgula.

O povo, de um modo geral – não apenas o de Coimbra – está satisfeito com a vida que leva: satisfeito com o emprego, satisfeito com a casa, satisfeito com o carro, satisfeito com o LCD, satisfeito com as férias, satisfeito até com a sogra. O que não quer dizer que esteja feliz.

Gostaria mais do emprego se o patrão acordasse o tal aumento, de uma vez por todas; mais do carro se o pudesse levar, finalmente, à inspecção; mais do LCD se não lhe pesasse a prestação a 8 de cada mês; mais das férias se não tivesse que levar tachos com arroz de moelas para a praia; mais da sogra se a senhora fosse naquela excursão para Benidorm e não voltasse. Gostaria mais da vida que leva e seria, seguramente, mais feliz. Não sendo possível, ainda assim, sente-se muito “satisfeito”.

A satisfação portuguesa não equivale à felicidade, confunde-se, sobretudo, com a resignação.

Se no Brasil – ouvi dizer que não só – há um político que assumiu como slogan de campanha “rouba mas faz”, o slogan “não faz mas também não estraga” promete embalar Coimbra por muitos e bons anos. A cidade não quer um autarca. Prefere, a milhas, um notário.

Claro que esta tese traz encravada a minha condição de socialista e, nessa medida, de derrotado, despeitado até, na última pugna eleitoral. Mas, já agora, permitam-me que, de quando em vez, carregue aos ombros o que devem ser, hoje, os três mandamentos de um socialista de Coimbra: varrer discretamente o bafio para trás das portas, fazer oposição criativa ao PSD e escrever sobre a cidade em português fluente, o que até dispensa de o fazer com brilho ou mesmo com graça. Ora, assim seja e já me dou, prosaicamente, por “satisfeito”. Um dia seremos felizes.

7.10.09

Certo por linhas tortas



Quando há dias discutia a limitação de mandatos com um amigo, ele dizia-me que essa limitação nega a essência da democracia. Na sua perspectiva, a soberania popular é radicalmente sábia e, assim, condicionar-lhe as decisões, impedindo um candidato de o ser indefinidamente, não só abala as fundações do regime como desrespeita a liberdade de juízo dos eleitores.

Percebi que, genuinamente, não lhe ocorria a frequência com que, em particular no contexto autárquico, há votos que se determinam de formas bizarras. Ou que há presidentes de câmara que se comportam como verdadeiros xerifes, concentrando poderes “democráticos” de uma forma que envergonharia muito ditador: a polícia, as licenças, o emprego, os bombeiros, a comunicação social, o clube de futebol, as associações culturais, tudo depende, em muitos lugares deste país, de um homem só, do presidente, do presidente do concelho, com "c", claro.

Mas também os há que, não sendo ditadores, acabam por se instalar, sendo essa a segunda razão que justifica a limitação de mandatos e a que, concedo, melhor encaixa no perfil do dr. Carlos Encarnação.

Primeiro, porque nenhum dos itens que utilizei acima para caracterizar os ditadores locais confere com a prática do dr. Encarnação: a sua polícia municipal é uma simples força de reboque, o que é a única forma de repressão, mesmo contra os criminosos, que se lhe conhece; quanto às licenças, sabe-se que é bastante benevolente – tanto aprova a construção dos poderosos, como autoriza modestos planos de jardinagem no Mondego; ainda a propósito, não se lhe conhecem grandes cumplicidades com o futebol local, cujos dirigentes conhece apenas vagamente; por outro lado, mesmo que fosse à bola, é sabido que os amigos da cultura não o acompanhariam; é ainda certo que, em matéria de protecção civil, com excepção do resgate de gatídeos, tem sempre a generosidade de remeter os louros todos para o Governo; conceda-se que também não é o emprego a municiar-lhe o regime, porque em Coimbra, façamos mais uma vez justiça ao dr. Encarnação, não há emprego; e, finalmente, quanto à comunicação social, convenhamos que este texto lhe faz ressaltar uma cristalina isenção.

Mas depois ainda, não pertence o dr. Encarnação à categoria dos ditadores porque a Coimbra que construiu não é uma ditadura. É, quando muito, uma dita-mole. Um recatado canteiro privativo. A queda para a jardinagem do dr. Encarnação fez de Coimbra um daqueles canteiros de flores que até podem ser bonitos, mas que não deixam de ser uma natureza aprisionada pelo capricho, uma energia frustrada, uma promessa que não se cumprirá, jamais.

Ao contrário do meu amigo, que apesar de tudo ainda se ofende com a limitação de mandatos, o dr. Encarnação já tinha imposto, a si próprio, esse limite. Acabou por mudar de ideias, mas a verdade é que a democracia pode mesmo mudar-lhe a sorte e eleger Álvaro Maia Seco como o próximo presidente da câmara de Coimbra. Para ambos os efeitos, uma razão, pelo menos, assiste ao meu amigo: ainda há momentos em que o povo escreve certo por linhas tortas.

1.10.09

Pero que las hay, las hay!

Li há dias (creio que ontem) um artigo de opinião num jornal local, que sugeria haver em Coimbra quem, deliberada e persistentemente, a mantenha sob uma gestão de vistas curtas.

Terá havido e haverá ainda, quem a queira como uma quintinha, um jardim recatado cuja ordem estabelecida não se deve comprometer. Haverá uma eleite, transversal, que não pretende a mudança. Sentir-se-á, talvez, ameaçada ela.

Será?