27.12.10

O lóbi de Coimbra


Vai longe o tempo em que o chamado peso de Coimbra se forjava a partir da Universidade e, quase em paralelo, dos seus naturais que ocupavam lugares no Governo. Dispenso-me de os arrolar, porque são sobejamente conhecidos, mas adianto –para que este escrito não se pareça com uma coisa de claque partidária – que foram diversos os quadrantes da política nacional que recrutararam os seus quadros mais relevantes na “cidade dos estudantes”.

Porém, os tempos mudaram. E mesmo procurando não cair na tentação, simplista, de argumentar com a perda de importância da Universidade de Coimbra no contexto nacional ou com a falta de qualidade dos protagonistas políticos locais, a verdade é que Coimbra tem que lidar, objectivamente, com uma indisfarçável perda de influência, que lhe tem valido, aliás, os maiores dissabores. Episódios como o do Metro Mondego ou o do Pediátrico, não são expressão de uma particular antipatia deste ou daquele Governo em relação a Coimbra. São o resultado de uma cidade que se acoitou, que se contempla a si própria com eternas saudades do futuro, que se consome por dentro em lutas intestinas e que, talvez por isso, não desperta a simpatia de quase ninguém. Sendo também certo que as grandes conquistas de Coimbra nunca foram responsabilidade exclusiva de um só Governo ou de um só partido. Foram antes produto de uma certa coesão interior, de cumplicidades várias que, nos momentos essenciais, souberam pôr os interesses da cidade à frente dos seus interesses próprios. É isso que nos falta, agora. Falta-nos um lóbi de Coimbra, mais até do que um representante no sacrossanto governo da nação. Coisa que, hoje, é mais difícil do que nunca. Porquê? Pelo seguinte.

Tanto quanto consigo perceber, mais cedo do que tarde – algures durante a próxima década – Coimbra voltará a ter Secretários de Estado e Ministros, quem sabe um Primeiro-Ministro, em Governos, quer no PS, quer no PSD. Digo isto porque conheço a valia de alguns quadros, à beira da maioridade política (que só se cumpre pelos quarenta, como é sabido) e que têm condições para lá chegar, com naturalidade. Acontece que a maior parte deles já não reside em Coimbra há vários anos e conversa pouco, entre si, sobre o futuro da cidade. Alguns acharão mesmo, não sem alguma justiça, que a cidade nunca lhes deu o reconhecimento devido. E acharão, também, que quando lá chegarem, isso será, não por serem de Coimbra, mas apesar de serem de Coimbra. Ora, para quem pensa que é dramático não termos bons representantes na política nacional, imagine o que será quando os tivermos, mas sem qualquer proveito para a cidade.

Para já, fico-me por aqui. Mas penso que, hoje, não é arriscado dizer que o lóbi de Coimbra não passa, propriamente, pelas tertúlias da (ou na) cidade. Muitas delas estão cheias, é certo. Mas de si próprias, sobretudo. E de cadeiras vazias.

21.12.10

The show must go on


O Dr. Encarnação não está para aturar o Governo. Foi deste modo requintado que se despediu da Praça 8 de Maio. O seu vice-presidente – que é um rapaz novo – que o ature, insinuou à saída. E quanto aos conimbricenses, deixou-lhes os mais calorosos votos de Natal que poderiam desejar: que se amanhem os conimbricenses!

Desapontado, registo que terminou sem lustro e sem graça, a era Encarnação na Câmara de Coimbra. Desejo-lhe, a partir desta modesta tribuna, uma santa reforma – na certeza de que a terá – e despeço-me com um abraço, sem olhar para trás. Não sou de chorar sobre o passado e, para o que importa, o dr. Encarnação faz, oficialmente, parte do passado. Cá me terei que amanhar também, na certeza de que estas crónicas não serão as mesmas, agora que perdi a mais dilecta das minhas musas.

Mas devo acrescentar que me sinto traído. Não pela política, porque aí a malandrice já se tornou uma regra e, nesses termos, traição seria se os eleitos se comportassem como devem. Sinto-me, no entanto, como se o Dr. Encarnação tivesse um contrato comigo e, sem me pedir autorização, tivesse cedido a sua posição a um terceiro, quase desconhecido.

Foram anos de convivência, domingo após domingo, procurando sempre apresentá-lo aos olhos do país, à terça-feira, sem lhe injustiçar a figura. Em consciência, acho que consegui fazê-lo, numa boa parte das vezes. E agora, sei que vai levar tempo até descobrir o melhor perfil do novel presidente da câmara de Coimbra. Manter-me-ei, por isso, relutante, em abrir-lhe as portas dos meus domingos. Como o Dr. Encarnação, sou um romântico. Nunca fui de saltar de nenúfar em nenúfar, sem me recompor. É isso que farei, também desta vez. E sugiro, já agora, que outros o façam.

Repito que o povo está habituado à malandrice dos políticos. E não é expectável que esta passagem de testemunho na câmara de Coimbra fragilize, só por si, futuras candidaturas do PSD à liderança do Municipio. Arrisco mesmo dizer que antes pelo contrário. O PSD parece ter encontrado um novo protagonista e o modo de, atempadamente, preparar a sua candidatura. Por muito que custe, é isso mesmo que o PS também deve fazer. Bem e depressa. The show must go on.

7.12.10

Dois selos e um carimbo


Dois selos e um carimbo, é o nome do último álbum dos Deolinda. Mas também podia ser o título do último livro do dr. Carlos Encarnação. Os muitos fãs da banda portuguesa talvez não se revejam no peculiar paso doble do presidente da Câmara de Coimbra e é natural que estranhem, por isso, esta minha comparação. Mas a esses falta-lhes conhecer, porventura, o que levou os Deolinda a baptizar, naqueles termos, o seu segundo – e último, para já – trabalho de temas originais. Esclarece a vocalista, Ana Bacalhau, que pretendem selar, com todas as formalidades, a sua identidade artística. Ora, aqui já se antevêem, com maior nitidez, os termos da comparação.

Com efeito, no caso do edil de Coimbra, não se tratará de uma afirmação artística já que, arte por arte, devo reconhecer que a sua é sobejamente conhecida e reclama, a todo o tempo, ser coroada com um prémio carreira. Mas a verdade é que “A justiça transparente” – nome aliás de particular inspiração – casa lindamente com a intenção de “Dois selos e um carimbo”. Usando de todas as formalidades – chamando mesmo a Coimbra o notário do regime, leia-se, o professor Marcelo – o dr. Encarnação ditou ante a cidade aquela que é, afinal, a derradeira palavra sobre si próprio: uma compilação de decisões judiciais, todas a contento da Câmara Municipal de Coimbra. Ocorre-me dizer que, nestes tempos de incerteza, poucas coisas serão tão tranquilizadoras e dignas de crédito como uma sentença de um juiz, homologada por um político e registada por um comentador televisivo. Pode, pois, descansar em paz, o bom povo coimbrão.

Mas colocando os elogios de parte – às vezes excedo-me nestes mimos – o que eu quero mesmo é desmentir, com quantas forças trago no corpo, o boato vil que, ainda o livro não estava nas bancas, já pululava nos jornais, nos blogues e nas conversas de corredor. A insinuação malévola de que o dr. Encarnação seria capaz de trair a confiança dos seus munícipes e dar às de Vila Diogo, antes mesmo de acabar o mandato. Mais, que isso faria tudo parte de um plano, combinado antes das eleições, no interior do PSD (imagine-se!), para passar o testemunho e ir gozar a reforma descansadinho. Não há direito. Só quem não leu as suas declarações, na própria apresentação do livro, seria capaz de reproduzir semelhante baboseira. Ele não aceita, e muito bem, que ponham em causa a sua honorabilidade. E eu, para dizer a verdade, acho de muito mau gosto que o façam deste modo infame.