23.2.10

Invictus


Out of the night that covers me,
Black as the Pit from pole to pole,
I thank whatever gods may be
For my unconquerable soul.
In the fell clutch of circumstance
I have not winced nor cried aloud.
Under the bludgeonings of chance
My head is bloody, but unbowed.
Beyond this place of wrath and tears
Looms but the Horror of the shade,
And yet the menace of the years
Finds, and shall find, me unafraid.
It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll,
I am the master of my fate:
I am the captain of my soul.

william Ernest Henley

Vamos falar de habitação


O bastonário da Ordem dos Engenheiros veio a Coimbra para manifestar a sua descrença quanto ao regime da reabilitação urbana. “Lobbies e jogos de interesses”, eis o que lhe vem à cabeça quando pensa no assunto. Não é o único. De facto, basta olhar para Coimbra para perceber que a expansão urbanística e a reabilitação urbana avançam, estranhamente, em velocidades distintas.

Enquanto florescem os Jardins do Mondego, fenece a Alta Coimbrã. Enquanto se erguem condomínios na Portela, a Baixa vai ruindo sobre si. Quanto a isto, meia dúzia de lugares comuns e a recomendação velada de que nos sentemos, à espera que passe. Abate-se um silêncio pesado sobre Coimbra, de cada vez que o assunto é a política de habitação. E é preciso – é urgente – que deixe de ser assim.

Mas por que razão cresce desenfreadamente a construção nova em Coimbra – como no resto do país, acrescente-se – enquanto o centro se degrada, acoitando delinquentes, fazendo campear a insegurança e retirando, sobretudo aos jovens, a oportunidade de uma habitação condigna, a preços controlados? A explicação, em termos gerais, é simples: o fenómeno da construção civil e o seu desenvolvimento, confundem-se com a própria história do poder local democrático. No caso de Coimbra, para além da especulação e das suas consequências no ordenamento urbano, estamos a forçar o abandono dos mais jovens, não só por falta de emprego, mas também porque são poucos, muito poucos, os que podem comprar uma casa na cidade. Coimbra ameaça tornar-se um imenso condomínio privado, ao alcance de meia dúzia de famílas e vedado à generalidade dos conimbricenses.

Chegados aqui, temos a responsabilidade colectiva de decidir qual o caminho que pretendemos seguir: se o de uma política urbanística que se limita a caucionar o que os especialistas chamam windfall gains – a valorização exponencial dos solos, por via de novos loteamentos, sem verdadeiros “custos de produção”; se a a opção por distribuir, afinal, oportunidades de habitação condigna para todos, negando o pendor casuístico da maior parte dos instrumentos de ordenamento em vigor e servindo o bem-estar dos cidadãos, em geral. Eu escolho, sem reservas, este segundo caminho.

Para começo de conversa, é imperativo travar fundo nos novos projectos de loteamento e assumir, desde já, a proridade de gerar uma oferta de arrendamento público, que faça renascer a cidade, lá onde só restam escombros e o patrimonio imobilário de “ninguém”. Defender, com coragem, estes e outros desígnios, é o único caminho sério para os socialistas, quer na discussão do PDM, quer na proposição de um verdadeiro Plano Local de Habitação. Trata-se de escolher entre a Coimbra das oportunidades para todos e a Coimbra das oportunidades para os mesmos de sempre. Escolher, afinal, entre a Coimbra do passado e uma Coimbra com Futuro.

9.2.10

O poder é solúvel


Eu gosto do professor Marcelo Rebelo de Sousa. A sério que sim. Tenho uma predilecção por gente inteligente, com um pensamento estruturado e com ideias próprias. São poucos, no espaço público – particularmente na política - os que reúnem essas condições. Há muitos espertos que, no contexto certo, desfilam pela passarela das vaidades que alimentam o mundo. Normalmente, desconexos no pensamento, prolixos e incapazes de verter duas ideias em português correcto, ainda que sem veleidades de estilo. Porém, e na maior parte dos casos, deviam ater-se a abrir o piano – alguns apenas a carregá-lo – ao invés de se aventurarem pelo marfim, logo a quatro mãos, como é costume fazerem.

E é por isso que, apesar dos pesares – o professor não é do meu partido, está longe de ser um comentador isento e fala sobre demasiadas coisas ao mesmo tempo – nutro por ele uma certa admiração. Em parte porque, ao contrário do que acontece com as cabeças duras, acredito ser sempre possível mudar, pelo convencimento, um homem inteligente.

Li, pois, com atenção, a entrevista que deu no passado sábado a um jornal diário regional. E, particularmente, o modo como comentou o desempenho do presidente da Câmara de Coimbra. Dessa leitura, sai reforçada a ideia de que o professor é, de facto, um homem inteligente.

É que, nem mesmo eu – que às vezes me dedico a não dizer coisa nenhuma em duas milenas de caracteres – seria capaz de um nó cego como o do professor, quando teve que comentar os méritos do nosso presidente da Câmara. “Carlos Encarnação virou Coimbra para o século XXI, recriando um centro político e ultrapassando clivagens muito fundas entre direita e esquerda.”, foi o que disse Marcelo Rebelo de Sousa na ocasião.

Ora, o que é engraçado não é só perceber que esta fórmula, no caso concreto, ilude a incompetência política do dr. Encarnação e o definhamento a que deixou chegar a cidade de Coimbra sem, ainda assim, o deslustrar. Engraçado é perceber que o professor, não apenas conseguiu isso, como desenvolveu uma fórmula apta a comentar todos os autarcas sem obra feita, mas a quem deva ainda algum tipo de simpatia.

Resta perguntar se os desempregados de Coimbra se devem sentir particularmente comprazidos pelo etéreo contributo do dr. Encarnação para a viragem do século. Ou se a tal ultrapassagem de clivagens entre Esquerda e Direita deve compensar o facto de, à nossa volta, nos ultrapassarem, pela esquerda e pela direita, todos os dias. Mas isso não preocupa nem o professor Marcelo, nem o dr. Encarnação.. É o que acontece quando já nem se acredita que o poder é, de facto, solúvel.

2.2.10

Melodias sublimes



Encheu-se de povo o Gil Vicente, faz na próxima quinta-feira uma semana. Não era uma assembleia magna, nem um comício, nem o lago dos cisnes, nem coisa do género. Era Coimbra às ordens da sua consciência, Coimbra a dizer que está viva e que desperta quando é preciso, quando vale a pena, quando tem mesmo que ser. A Saúde em Português convidou vários músicos da região para um concerto de apoio às vítimas no Haiti e desafiou os conimbricenses a estar presentes. A resposta não podia ter sido mais esmagadora: uma casa cheia e um concerto inesquecível.

Naquela noite – com um frio de fazer bater os dentes – não foi a Coimbra resignada, nem a Coimbra da lamúria, que sairam à rua. Um por um, os que estiveram presentes no Gil Vicente – e muitos dos que não puderam estar - foram aqueles que não se conformam: nem com as injustiças, nem com a indiferença. Olhos nos olhos, os olhos que se cruzaram no foyer denunciam uma cidade de gente solidária, gente de convicções, gente que se reconhece e que se surpreende, até, com a sua própria força. Como eu, creio que foram muitos os que, vendo aquela casa cheia, percebendo que foi possível arrecadar mais de sete mil euros para ajuda humanitária, sentiram um calafrio. E perceberam como têm força os que se juntam pelas causas certas.

É sempre assim. Como um vulcão adormecido durante séculos e que, de repente, acorda para arrasar tudo à sua volta. Também como um terramoto, que em escassos segundos põe termo a uma quietude milenar e nos recorda que nada é eterno. Em Coimbra, a resposta ao terramoto no Haiti foi o sobressalto da sua própria natureza: a Coimbra que esteve no Gil Vicente não foi a Coimbra que desiste, foi a Coimbra que acredita; não foi a Coimbra que se apaga no tempo, foi uma Coimbra que se ergue e existe. Uma Coimbra generosa, solidária, mas também uma Coimbra de cultura.

Brigada Victor Jara, Gerações, Cordis, Inês Santos, Rui Pato, entre outros, só uma amostra da cidade das artes que fervilha por aí. Que fervilha e que fervilhará, até ferver de vez e nos lembrar que não é possível “viver habitualmente”, todos os dias, para todo o sempre. Ao contrário do que muito vaticinam, e apesar de tudo, Coimbra mantém uma especial capacidade de nos surpreender. E lembra-nos que o silêncio é o leito onde se deitam as melodias mais sublimes.