31.8.10

Coimbra do Choupal


(Fotografia: Daniel Tiago)

Sou um frequentador intermitente da mata do Choupal. A utilização que lhe dou é, sobretudo, desportiva e sabe a balança lá de casa como é intermitente, também, a minha dedicação ao desporto. Ao arrepio das melhores recomendações, integro o grupo dos que raramente se aguentam uma temporada inteira e assim, ao longo do ano, vou alternando entre a corrida e a batata frita. Isto vem pouco ao caso, é certo, mas sempre me serve de caução para comentar uma reportagem que li, precisamente sobre aquela mata nacional.

Creio haver, pelo menos, duas abordagens diferentes ao Choupal: a dos que o não conhecem senão como símbolo poético da cidade dos estudantes; e a dos que, de facto, o conhecem e utilizam como espaço de contacto com a natureza, para lazer ou para a prática desportiva. Sendo que, pela experiência que tenho – apesar da intermitência, já visitei a mata umas centenas de vezes – as mais divulgadas reivindicações, mesmo algumas declarações de amor, partem menos dos utilizadores comuns do que dos, mais distantes, adeptos da tal poética coimbrã. É por isso que me interessa, sobremaneira, a referida reportagem.

Da sua leitura resulta, em especial, uma ideia: o que importa aos verdadeiros utilizadores da mata, aos que lhe conhecem os trilhos e o cheiro, são coisas simples, que podiam ser resolvidas depressa e melhorariam, imediatamente, a qualidade do espaço. Na maioria das opiniões relatadas, reclama-se a limpeza dos caminhos, o reforço das pontes de madeira, a conservação dos espaços desportivos. Ali não parecem ter lugar algumas preocupações mais líricas, coisas da grande política, daquelas que se perdem, habitualmente, nos corredores do poder e que, amiúde, ofuscam o que realmente interessa.

Ocorre-me que para lá das questões existenciais, já seria muito interessante se o rancho de instituições que administra o Choupal – Conservação da Natureza, Instituto da Água, Instituto de Desporto de Portugal, Câmara Municipal, só do que me vem à memória – abdicasse do respectivo quintal e encontrasse uma administração única, responsável e responsabilizável, para aquele espaço. Bem sei que é mais fácil traçar objectivos estratégicos, sofisticados planos de acção, tonitruantes parcerias do que, por exemplo, pegar numa trincha e pintar os campos desportivos do Choupal. Mas, afinal, é por isso que alguns se dedicam a administrar e outros, modestamente, a ser administrados.

23.8.10

A questão Central



A ideia de instalar uma central fotovoltaica na Alta Coimbrã, capaz de suportar os custos de iluminação pública naquela zona da cidade, merece aplausos, à partida. Embora pelo caminho se confrontem interesses vários, entre a preservação do património e a sustentabilidade energética, não se sabendo, ao certo, em que ficaremos, à chegada.

É assim com todos os projectos que ousam afastar-se dos cânones habituais e afectar, claro, a ordem estabelecida. O que não tem mal nenhum, diga-se desde já. A inovação é natural, como natural é a ponderação dos seus riscos, ainda que pelo simples temor da mudança. Sendo por isso mesmo que projectos como o da central fotovoltaica na Alta Coimbrã se hão-de sujeitar, quer ao escrutínio político, quer à validação técnica, nos domínios ambiental, patrimonial ou outros necessários para que a novidade não seja um apaixonado passo em frente…para o abismo. E é aqui, normalmente, que as coisas descambam.

No caso concreto, a saga começou pelo parecer desfavorável do IGESPAR, fundado no receio de que a colocação de painés no muro de suporte da Rua da Alegria tenha um impacto visual negativo, no casco histórico da cidade. E continua, ao que vejo, com uma arrebatada tomada de posição da Quercus, que afiança ser o risco de afectação da zona historica “residual”, ficando a central “encoberta visualmente pelos edifícios da contígua Avenida Emídio Navarro”.

Ora, a este propósito, gosto de me colocar ao lado dos que acreditam, apenas, num de dois caminhos distintos: ou bem que se confia na legislação e no desempenho das instituições que cuidam da sua aplicação; ou bem que, pelo contrário, se procura a sua substituição, no quadro do que a democracia permite. Tudo o mais, e sobretudo uma certa tendência para opinar sobre o rosário alheio, confesso que me tira do sério.

Neste caso, interessa-me saber o que pensa a Quercus, no domínio ambiental e interessa-me saber o que pensa o IGESPAR, nos domínios patrimonial e arquitectónico. O que um e o outro pensam sobre o métier do vizinho, não me interessa rigorosamente nada. Aliás, o país em geral estaria melhor se cada um de nós fizesse mais aquilo que lhe compete. Coimbra, em particular, teria muito a ganhar se olhasse mais para (por) si própria e menos, muito menos, para os vizinhos do lado.

17.8.10

A regra


Nos últimos dias foi conhecida a expulsão de vários militantes do partido socialista, creio que duzentos no total, sendo vinte deles no distrito de Coimbra. A sanção, prevista nos estatutos e aplicada pela jurisdição distrital dos socialistas, explica-se com a participação daqueles militantes em listas opositoras às apoiadas pelo PS, no âmbito das últimas eleições autárquicas. Nada a obstar, no plano jurídico. A sanção é, aliás, necessária. Mas fica muito por dizer, quase tudo, no que à política diz respeito.

A militância num partido político não se confunde com uma profissão de fé ou com a preferência por um clube de futebol. Estas, sendo diversas entre si, convergem nos valores sobretudo afectivos ou espírituais em que radicam, não reclamando, por isso mesmo, uma particular racionalidade e, sobretudo, não conferindo aos seus “associados” um verdadeiro estatuto. Muitos de nós nascem, aliás, com religião e clube de futebol já definidos. O mesmo não se passando – espera-se – com a militância partidária.

Quando se adere a um partido, adere-se voluntariamente a uma declaração de princípios e a um certo legado histórico, na expectativa do seu aprofundamento. E adquire-se um estatuto, que confere o direito e o dever de contribuir, activamente, com sentido crítico, para esse aprofundamento. Sendo essa solenidade que torna tão estranho o impulso de quem, num determinado momento, é militante de um partido e, no outro, resolve bater-se, nas urnas, contra esse exacto partido. Ou pelo contrário.

Seria estranho se os partidos, em regra, fossem espaços de discussão política, generosa e qualificada, ao invés de serem os simulacros de debate que, muitas vezes, o próprio parlamento evidencia; seria estranho se a regra fosse comportarem-se os partidos e, em especial, os seus dirigentes, como fiéis depositários de algum princípio, que não o da sua particular existência; seria estranho se, por exemplo, em Coimbra, ser socialista de cartão passado comprometesse, em regra, com a efectiva prossecução do socialismo - se há até quem se dedique a converter social-democratas para a conquista de municípios pelo PS!

A regra, demasiadas vezes, é não haver regra. E por isso, a alguns, de vez em quando, aplica-se a regra.

11.8.10

A uma só voz


Virgílio Caseiro deixou de ser maestro e director artístico da Orquestra Clássica do Centro. O sucedido, que já corria à boca pequena, ainda pode reverter-se, segundo o próprio, “se as forças vivas políticas da cidade conseguirem estabelecer uma relação de diálogo preferencial com o governo central e, muito concretamente com o Ministério da Cultura, que tenha como episódio final o reconhecimento da OCC como orquestra regional ou de equivalente estatuto e apoio.” Eis o que está em causa, portanto – a falta de apoio do Governo ao projecto.

Com esta mensagem, ficam “as forças vivas” convocadas para o objectivo proposto pelo maestro. E ficam convocados, em especial, o PS e o PSD (sejamos claros!) para reclamar junto do Governo o apoio e a consideração que a Orquestra Clássica do Centro há muito merece. Tarefa que não é menos do PSD – que comanda a autarquia – do que do PS, que sustenta o Governo. Este é, claramente, um daqueles casos em que a guerrilha partidária deve convolar-se numa só voz, sem cinismos, sem reserva mental, em defesa de Coimbra.

Ao PS, neste caso como em tantos outros, cabe articular entre a Orquestra e o Governo uma modalidade de apoio que faça justiça a dez anos de trabalho artístico e pedagógico, qualificado e ininterrupto. E é exigível que o faça institucionalmente, ao mais alto nível, com seriedade, sem intermediários, sentado numa mesa de reuniões, estabelecendo objectivos e prazos, à margem de cochichos e conversas de corredor.

Ao PSD, se puder e souber, cabe desmontar uma ideia que, pouco a pouco, se foi instalando na cidade: a de que a câmara de Coimbra agradece, abençoa e alimenta todos os conflitos entre o Governo e as instituições da cidade, explorando-os em seu proveito, num exercício da mais rudimentar politiquice. O dr. Encarnação que se disponha a dançar o tango, senão com o eng. Sócrates, ao menos com a ministra da Cultura. Não lhe ficaria mal o exercício e, por uma vez, mostraria disponibilidade para colocar os interesses de Coimbra acima dos seus interesses e do seu partido.

Não sou daqueles que acham que Coimbra merece loas do Governo, por ponderação curricular. Antes creio que o caso da Orquestra Clássica do Centro é um daqueles em que uma justa avaliação de desempenho corre, nitidamente, a seu favor.

2.8.10

Um perfeito álibi

Num país como o nosso, onde o Estado continua a ditar o essencial do que acontece, a visita de um membro do Governo é sempre encarada com um misto de reverência e excitação. Em Portugal a iniciativa privada é uma ficção, a independência é uma lenda e a liberdade situa-se a meio caminho entre a estultícia e a verdadeira impertinência. Resulta pois que, se formos suficientemente tontos ou vagamente impertinentes, talvez encontremos o impulso necessário para fazer o que nos apetece, sem dar Cavaco a niguém. De outro modo, sempre a república (com minúscula) encontrará por onde nos comprimir a vontade e o melhor mesmo será recebermo-la, penitentes, como uma benção celestial.

É o que acontece, o mais das vezes, quando um ministro, um secretário de Estado, ou qualquer outra aproximação divina, desloca a sua excelência por esse Portugal afora, promovendo roteiros e peregrinações de toda a sorte, sempre coroados por essa modalidade institucional do autógrafo que é o muito respeitável “descerramento de placa”. Vem este despropósito a propósito da vinda da senhora ministra da cultura à plácida cidade dos estudantes. E, fazendo fé no que reporta a imprensa, da encantadora afirmação de que Coimbra é “uma cidade que tem uma tradição cultural fantástica, com grandes intelectuais e pensadores, mas que agora terá sido ultrapassada por Lisboa, Porto e até por outros centros urbanos do país”.

Ora, à expectativa pueril com que sempre se recebe um membro do Governo, há-de corresponder, pelo menos, uma especial cortesia, como que um unguento a prometer, se não a cura, ao menos a extrema-unção. E mesmo admitindo, neste caso, um arremedo de confrontação política entre os planos governamental e autárquico, o resultado ficou, como aliás era previsível, muito aquém do desejado.

Face à obscenidade política de se pretender justificar todas as insuficiências coimbrãs com o desfavor do Governo, não pode este trazer a Coimbra senão uma mensagem positiva e medidas concretas, sob pena de continuar a dar ao PSD um perfeito álibi.

Publicado hoje, no Jornal de Notícias.