29.9.09

Coimbra de Verdade

O eng. Sócrates ganhou folgadamente as eleições legislativas. Em primeiro lugar porque liderou durante quatro anos um bom Governo; em segundo lugar porque, a dada altura na campanha, já ninguém acreditava que a dra. Ferreira Leite pudesse liderar o que quer que fosse. A candidata do PSD, achando que o secretário-geral do PS era um vendedor de sonhos, reagiu prometendo aos portugueses um pesadelo. Se para Sócrates a crise era um obstáculo a ultrapassar rapidamente, para a dra. Ferreira Leite ela era uma justa punição pela estultícia dos portugueses, algo em que deveríamos empreender, penitentes, por muitos e bons anos. A julgar pelos resultados, ficámos a saber que um calvário não é lá grande promessa eleitoral.

Mas se a dra. Ferreira Leite se desiludiu com os resultados, já o dr. Carlos Encarnação há-de andar muito satisfeito. É que uma imaginária derrota do PS nas legislativas seria, para o recandidato do PSD à câmara municipal de Coimbra, uma verdadeira dor de cabeça. Se o PS tivesse perdido as eleições, o dr. Encarnação ainda teria a maçada de deitar a mão a uma lapiseira e a uma folha de papel pardo para explicar aos conimbricenses o que pretende fazer pela cidade. Assim, basta-lhe um maço de lenços de papel para carpir os supostos desamores do Governo e continuar a sua cruzada pela essência romântica da Lusa-Atenas. Está visto que o candidato Encarnação planeia mais 15 dias de paso doble e tango argentino. Mas cabe a alguns de nós garantir que não o fará com uma rosa entre os dentes.

Entre dentes, sempre direi, já agora, que o Partido Socialista deve reflectir longamente sobre os dois deputados que perdeu, no Distrito de Coimbra. Ou nos dez mil votos que perdeu no Concelho de Coimbra, desde as legislativas de 2005. Mas essas são contas de um outro rosário, que há-se ser desfiado, serena e educadamente, como é costume fazerem os socialistas de Coimbra. E a verdade é que nas autárquicas de Coimbra – como aconteceu nas legislativas, aliás – o PS tem um excelente cabeça de lista. Sendo até maiores do que poderíamos imaginar as semelhanças entre os confrontos Sócrates-Ferreira Leite e Álvaro Maia Seco-Carlos Encarnação.

Como Sócrates, Álvaro Maia Seco representa o sonho de uma cidade nova, capaz de se reinventar e de conquistar uma liderança natural, fundada na competência, na ambição e no trabalho. Já Carlos Encarnação evoca uma Coimbra atrasada e paroquial, a Coimbra do preconceito, altiva, fechada e sombria. Afinal, uma cidade calvário que não creio, todavia, seja a Coimbra de verdade.

22.9.09

Menos, professor Mota Pinto

Paulo Mota Pinto salvou a visita de Ferreira Leite a Coimbra. Sem ele, a passagem da candidata “da verdade” pelo centro de Portugal teria sido uma desgraça. Mas com um empurrãozinho do novo professor do PSD, a visita a Coimbra acabou por ser, mais impressivamente, desgraçada.

O PSD teima, de facto, em ser um partido de professores – Cavaco, Marcelo, Borges, Rangel, Mota Pinto, para enumerar apenas alguns - e é notável como, de tempos a tempos, nos recorda por que devota razão continua a sê-lo. É que, realmente, aos professores do PSD parece estar reservado dizer asneiras com um ar reverencial e palpitar, mesmo assim, no coração do povo. Mas estas reminiscências do Portugal pobrezinho e humilde, suspenso pela verdade unívoca do “senhor professor”, dizem muito sobre a cultura política do PSD de Ferreira Leite.

A verdade da dra. Ferreira Leite – que é a verdade toda do mundo – caber-lhe-ia folgadamente nos bolsos. Mas como os tailleurs não têm bolsos, sempre vai contando com a algibeira do professor Mota Pinto, que ainda por lá guarda um cantinho, entre os seus já habituais“trunfos de campanha” e, diz ele, as chaves do automóvel.

Em Coimbra, por exemplo, o professor Mota Pinto levou a mão ao bolso e brindou-nos com uma mão cheia de verdade. Despiu a pele de magistrado, travestiu-se de advogado oficioso e defendeu que o juiz Rui Teixeira é “Muito Bom”. Antecipando pois o que, fosse o PSD Governo, passaria a ser o modelo de “avaliação dos juízes”: num Governo de Ferreira Leite, os juízes seriam, obviamente, avaliados por si. O que não teria mal nenhum porque o seriam sempre de acordo com a verdade que carrega, por empréstimo, na algibeira do professor Mota Pinto. E se contássemos com a externalidade positiva de podermos extinguir o Conselho Superior de Magistratura rapidamente, então essa medida, do lado da poupança, seria de um alcance democrático inexpugnável.

A sério, a sério, apetece-me dizer o seguinte: sendo estas as lições do professor Paulo Mota Pinto, da próxima vez que levar a mão ao bolso, que as deixe por lá e pegue ao invés nas lendárias chaves do carro. É que, com franqueza, Coimbra já tem professores que chegue. E em matéria de democracia, para minha surpresa confesso, ainda estamos uns furos acima.

15.9.09

Bem-vinda

Ana Jorge começou a sua campanha, em Coimbra, com uma declaração de princípios. Na era dos soundbytes, a Ministra da Saúde, agora cabeça de lista do PS pelo círculo eleitoral de Coimbra, pôs de lado as trivialidades e ateve-se ao essencial da política. O sentido ético e as grandes causas tomaram o lugar do paroquial filistinismo e, por ora, ficámos a saber que 1. Despirá a pele de Ministra e limitará as suas intervenções, nessa veste, ao que a Gripe A venha a impor; 2. Acentuará a defesa do Serviço Nacional de Saúde (SNS) como vértice do Estado Social.

Ana Jorge terá desiludido os que se habituaram à política tipo faísca, àquela forma de estar e dizer que se destina a “marcar a agenda”. Para esses, a política não passa, aliás, disso mesmo: uma narrativa sul-americana, pontuada por clímaxes de paixão, traição e vingança. É a política telenovela que, de todo o modo, nos conforta, já que sempre haverá de chegar ao último dos capítulos. Mas essa não é, evidentemente, diria eu, a cultura da dra. Ana Jorge.

Nestas coisas, haverá quem esteja muito talhado para marcar a agenda. Eu prefiro os que se inclinam, antes, para marcar a História.

Ao clarificar os termos em que conciliará a condição de candidata com as obrigações de ministra; ao antecipar esse código de conduta, Ana Jorge não está, apenas, a justificar a sua posição. Está a dar um sinal a todos os que, ocupando lugares públicos, sempre devem destrinçá-los da sua vida partidária. Está a dizer-nos que percebe o alcance das suas responsabilidades. E que também aceita os limites do seu próprio poder. Respira-se, pois, sem sinais de asfixia.

Já a referência ao SNS tem a virtude de confrontar os que, como o candidato Mota Pinto, têm alergia ao Estado. A liberdade que esses defendem, a liberdade que a dr. Ferreira Leite também apregoa, é a liberdade dos que a podem pagar. Aos outros, aos que não possam pagar, por exemplo, os cuidados de saúde, restar-lhes-á aceder a serviços públicos de 2º classe ou aguardar, de mão estendida, a caridade do Estado. Ferreira Leite até pode não querer privatizar o SNS, mas a passadeira que estende aos privados – uma vertigem de Beveridge para Bismarck – levará a que, no momento certo, já não haja SNS para privatizar.

Ética na política e uma visão de esquerda sobre as funções sociais do Estado. Se o que nos traz é aquilo que parece, seja bem-vinda a Coimbra, dra. Ana Jorge.

13.9.09

Demasiadas vezes

Saber quem vence os debates não é decisivo na política.
Infelizmente, as pessoas mobilizam-se mais pelo ódio do que pelo amor. A vingança prevalece, demasiadas vezes, sobre o reconhecimento.

11.9.09

O triunfo dos porcos



Jerónimo de Sousa declarou que as maiorias absolutas levam os eleitos a trair a confiança do povo.

Sendo embora o líder do PCP aquele a quem, com maior despreocupação,compraria um carro em segunda mão, sempre lhe devo recordar que há muitas formas de trair a confiança do povo.

10.9.09

Ai não é costume discutirem?



"O procurador-geral da República, Pinto Monteiro, revelou hoje que os participantes na reunião efectuada terça-feira na Ordem dos Advogados, em Lisboa, vão propor ao futuro Governo"... (rufam os tambores!!) ..."que as principais leis sejam previamente discutidas com aqueles que as aplicam." in, Público

9.9.09

Coisas minhas

Eu acho que devia ser proibido publicar sondagens em período eleitoral.

Está demonstrada a sua pouca fiabilidade e, assim sendo, interpreto a forma como se multiplicam, quase diariamente, como um serviço a interesses de que desconfio.

8.9.09

República 2.0



A estimulante proposta do CNJ, nas palavras do seu Presidente - Tiago Soares, homem simples, correcto e honesto.

Estou maravilhado



Estou maravilhado. O dr. Carlos Encarnação, candidato com amor à câmara de Coimbra, apresentou um plano estratégico às almas da cidade. Almas santas que, certamente, estão tão maravilhadas como eu.

Eu, que sou um rapaz respeitador e justo, já esperava que o documento fosse um exercício económico – filosófico até – de enorme fôlego. Mas nem a mim, que sou um crente, passaria pela cabeça que o dito Plano (com maiúscula) pudesse ir tão longe. Abençoadas cabeças, abençoado presidente e abençoado orçamento municipal, abençoados todos por proporcionarem à cidade conclusões tão estimulantes e inovadoras: Coimbra há-de ser um “cluster” da saúde, que será um “projecto estruturante”; e há-de ser, imagine-se (como é que se foram lembrar disto!), um “pólo de excelência da ciência, educação e investigação”.

De hoje em diante, podemos passar a dormir descansados. E recolhidos nos braços de Morfeu, podemos agora abandonar sonhos antigos, antiquados talvez, como os de haver emprego em Coimbra, gente na Baixa e ambição na Câmara Municipal. Podemos, finalmente, virar a página porque, apresentado o Plano, dedicaremos as noites a sonhar com coisas mais “estruturantes” e podemos até, nos momentos de angústia, contar “clusters” para adormecer. O que é mais saudável (note-se a subliminar alusão à saúde) do que matar os nervos a comer aqueles cereais com um esquilo na caixa, que também se chamam “clusters”, mas que o orçamento municipal não patrocina.

E podemos dormir descansados, também, porque não temos um presidente de Câmara precipitado. O que, certamente, lhe vem do tempo em que convivia com o professor Cavaco Silva. Este, nunca se engana e raramente tem dúvidas. Aquele, o dr. Encarnação, espera o tempo que for preciso para não se enganar e dissipar as dúvidas. Oito anos, bem contadinhos, foi quanto demorou a apresentar o tonitruante plano estratégico. Mas ao menos apresentou uma coisa como deve ser. E a partir de agora vai ser sempre a subir, como naquela música antiga da Manuela Moura Guedes, que ainda se há-de exilar na Argélia, em nome do jornalismo livre e independente.

Para que não me acusem de andar sempre a gozar com isto, aqui vai uma declaração séria, daquelas que encaixam na ortodoxia dominante: este plano, sendo estratégico, não é bem um plano. É antes um pano. Escuro. Onde não cairá a nódoa, porque já é uma nódoa.

5.9.09

Ursos?!



Com a devida vénia ao Urso Maior, na terça-feira vou publicar umas coisas no JN, sobre este assunto.

1.9.09

Clareza




A propósito de uniões de facto, Henrique Monteiro escreveu no último editorial do Expresso, mais ou menos, o seguinte: pretender dar a quem não assinou um contrato, os direitos e os deveres daqueles que o assinaram é uma aberração. Ou seja, quem quer casar, que se case, quem não quer, o que é inteiramente compreensível, pois que passe bem assim. Se não passar, pois que case e, eventualmente, volte a descasar. A ideia, no fundo, é simples: quem quer compromisso, que o assuma como uma pessoa crescida. E se esta simplicidade toda não se verifica para os casais homossexuais, discutamos o assunto de frente e deixemo-nos de histórias. De acordo.

Mas a verdade é que nada disto me interessaria tanto se não fossem as recentes declarações de Paulo Mota Pinto ou, noutro sentido, de Rodrigo Santiago. Se não fossem os dois de Coimbra. E se – mais um do que outro, é certo – não tivessem projectado a ideia de um bloco central, de uma fórmula apartidária, suprapartidária ou mesmo divina de governação. O que seria a institucionalização, desnecessária quanto a mim, de uma união de facto.

É verdade que o PS e o PSD estão unidos de facto, há muitos anos, naquilo a que se vem chamando o arco da governação. Simplesmente, se querem governar juntos, que se apresentem juntos a votos. É aqui que discordo do cabeça-de-lista do PSD pelo círculo de Coimbra, quando não exclui cenários de coligação: os resultados eleitorais não são meros ingredientes que permitam todos os temperos, em todos os cozinhados. E julgo que iguarias tipo “sardinha assada com café com leite” são dispensáveis à mesa de qualquer português médio.

De um modo diferente, ao dizer que a ideologia não tem cabimento na política autárquica, Rodrigo Santiago acaba por trilhar um caminho semelhante. O candidato à Assembleia Municipal de Coimbra mata a ideologia na política local e acaba por ser cúmplice do mesmo crime na política nacional. Para o efeito de negar diferentes concepções de Estado, cidadão e sociedade, defender um bloco central ou enforcar a ideologia nos Paços do Concelho, é rigorosamente a mesma coisa.

Ao contrário do que pensa o PSD de Paulo Mota Pinto ou a candidatura de Pina Prata, em Coimbra faz diferença um presidente de Câmara que promova o emprego, ao invés de reservar esse papel para o mercado. Faz diferença combater a insegurança na Baixa com um casse-tête ou procurar as razões profundas, sociais, urbanísticas, na origem do problema. Faz diferença dar espaço a uma política cultural que nos eleve, no lugar de sustentar um folclore que nos entretenha. Enfim, como na história das uniões de facto, é preciso haver clareza.