"Coimbra não está no mapa da cultura"
Paulo Valério tem 28 anos e ânsia de ver Coimbra mudar. Em "O Homem que Abria o Piano", livro de crónicas publicadas no JN, declara guerra às aparências
Só nos preocupamos com as pessoas de quem gostamos. Com as cidades é igual. Assim crê o adjunto do governador civil de Coimbra, Paulo Valério, que acaba de reunir, em livro, uma série de crónicas, sobre a cidade, publicadas no JN.
Tem 28 anos e custa-lhe que Coimbra seja "uma terra das oportunidades perdidas": não cria emprego, não fixa os jovens, não se afirma culturalmente. A obra é apresentada, esta quinta-feira, no Café Santa Cruz, em Coimbra. Chama-se "O Homem que Abria o Piano".
Assume este livro como uma "extravagância". Porquê?
Achei que era um testemunho que devia deixar. Talvez para fechar um ciclo de quatro anos a trabalhar muito próximo da actividade política, em Coimbra. Todos os textos são datados, mas pretendem ter uma moral. Isso tem muito a ver com o título do livro…
…"O Homem que Abria o Piano". De onde vem este nome?
É o nome de uma das crónicas. Foi escrita depois de um concerto a que assisti, no Teatro Académico Gil Vicente, em que um assistente de orquestra entrou no palco, para abrir o piano, e toda a gente o aplaudiu como se ele fosse o artista. Às tantas, dei por mim a pensar que as aparências nos iludem com muita facilidade. Na política, como na sociedade em geral, valoriza-se a forma e nem sempre a substância. Essa moral perpassa por tudo o que está escrito.
Quer especificar?
Estamos numa sociedade demasiado fragmentária, que vive no imediato e pára pouco para pensar. Isso reflecte-se no perfil dos protagonistas políticos.
Há muitos homens que abrem o piano em Coimbra?
Alguns.
Onde? No Executivo municipal?
Também. O mandato do actual Executivo está muito marcado por um jogo de aparências, por uma certa bricolage que se fez na cidade, que passa pelos centros comerciais, pelas rotundas enfeitadas… Mas há problemas persistentes que não foram resolvidos.
Que problemas são esses?
Coimbra é uma das cidades onde é mais difícil encontrar emprego. Coimbra é, dizia um estudo recente, a cidade menos jovem do país. Estes dados são preocupantes. Coimbra tinha todas as condições para ser uma terra de oportunidades, mas acaba por ser uma terra de oportunidades perdidas.
O que há a fazer para fixar jovens?
O factor principal é dar-lhes emprego. Há muitas pessoas que cresceram comigo - e hoje estão fora da cidade - que têm a mesma opinião: se Coimbra lhes tivesse dado oportunidade de ficar, teriam ficado.
Que mais continua por resolver?
Coimbra tem, claramente, o desafio da sua afirmação cultural.
Subscreveu o manifesto dos "Amigos da Cultura" [grupo de cidadãos que se insurgiu contra a política cultural da Câmara]?
Não, mas observei esse episódio com muita atenção. É um sinal de que a cidade tem uma enorme massa crítica do ponto de vista cultural, que olha com alguma tristeza para a forma como a cultura tem sido tratada. Aliás, tem havido uma tentativa de alimentar na cidade uma guerra entre a chamada cultura erudita e a cultura popular. E essa estratégia faz com que as pessoas se distraiam. Coimbra tem vantagens muito interessantes. O Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, o Museu Nacional Machado de Castro, a Universidade… Há um conjunto de símbolos culturais que tornam a cidade incontornável. Simplesmente, não podemos viver à sombra disso. Coimbra não está no mapa dos roteiros culturais. E devia estar.
Nas crónicas nota-se uma espécie de amor/ódio em relação à cidade…
Nós só nos preocupamos com as pessoas de quem gostamos. Com os lugares é igual. O facto de eu gostar muito da minha cidade e acreditar que tem muitas potencialidades faz-me meter o dedo na ferida de uma maneira que, para alguns, pode parecer incompreensível. Esse amor/ódio tem a ver com isso. Mas é muito mais amor do que ódio (sorriso)!
Entrevista, JN, 2009.04.14, Carina Fonseca