16.11.10

Fazer até estar feito


Quando era miúdo, costumava apresentar uma máxima aos que arriscavam embarcavar comigo em certas aventuras. Rezava mais ao menos assim: primeiro faz-se, pensa-se no preço depois. Hoje – seja porque o dinheiro me sai do bolso, seja porque a crise nos prescreve maior austeridade – podemos dizer que era uma máxima imbecil. E, com efeito, era. Apenas que, à data, a velha máxima tinha uma intenção especifica: provocar as cabecinhas mais acomodadas e fazer. Fazer, fazer, fazer, até estar feito. Confesso que a uso ainda, às vezes.

Nunca gostei muito de reuniões. Tenho um amigo que costuma dizer que elas são excelentes pretextos para fazer coisa nenhuma. E é assim, de facto. De resto, é nas reuniões que se deitam por terra os melhores projectos, as melhores ideias, só porque alguém se lembra de dizer esta coisa simples: não temos dinheiro para isso. Em resposta, uma de três: fazemos com menos dinheiro, vamos à procura do dinheiro ou não fazemos. Ganha, normalmente, esta última. E volta-se à estaca zero.

Sempre pensei assim Talvez por isso não tenha chegado à capa da Forbes, é certo. Mas acredito que as boas ideias valem por si. E, por isso, é o dinheiro que deve andar atrás delas, não o contrário. A velha provocação – que às vezes ainda uso – tinha, na verdade, o seguinte sentido. Não matem as ideias antes mesmo de as discutirem. Uma versão mais tosca – se quiserem – da vida para além do défice, em boa hora revelada pelo dr. Sampaio.

Chega-me isto depois de ler a notícia de mais uma edição dos Caminhos do Cinema Português. No registo habitual, é certo: “não há dinheiro, sobrevivemos com dificuldades, escasseiam apoios”. Mas apresentando, de facto, mais uma edição. Promovesse a organização do Festival demasiadas reuniões, desse ela muita guarida aos detractores do costume e, tenho a certeza, não haveria Festival para ninguém. Mas como aquilo é gente de arregaçar as mangas e passar à ordenha, mesmo sem dinheiro, a verdade é que já vamos na edição, imagine-se, décima sétima.

A isto acresce – por exemplo – que está quase a cumprir-se um ano inteirinho de Mercado Quebra-Costas. Um verdadeiro banho de cultura urbana oferecido à cidade. Também “sem dinheiro”, mas cujo balanço – e vejam como também sei usar vocabulário financeiro – é muito positivo.

A moral da história? Nos tempos que correm, seria imoral remetê-la para a virtude de gastarmos mais do que temos. Fico-me pela urgência de fazermos – e fazermos bem – tudo o que pudermos. Coisa que, na pior das hipóteses, nos tiraria da crise.