Começa a ganhar forma, nos campos político e legislativo, o acervo de medidas tendentes a agilizar a recuperação de empresas em situação económica difícil.
Neste acervo, que dá pelo nome de "Programa Revitalizar" - uma iniciativa partilhada pelos Ministérios da Economia e da Justiça - avultam, em especial, um novo Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE); a revisão do Procedimento Extrajudicial de Conciliação (PEC); a reconfiguração dos fundos de capital de risco públicos; a revisão do estatuto dos administradores de insolvência; e a harmonização das posições da administração tributária e da segurança social, enquanto credores. Em causa está, pois, a criação de um contexto normativo "amigo" da recuperação, tendo como pressuposto a ideia de que a insolvência possa ser uma oportunidade para começar de novo. Vejamos, pois, à luz do que vai sendo conhecido, os traços fundamentais da reforma:
1. Um novo CIRE, cuja proposta de lei se encontra em discussão na especialidade, do qual ressaltam uma transmutação da finalidade do processo de insolvência, erigindo a recuperação, no lugar da liquidação do património do devedor, como objetivo primeiro; e a criação do novo Processo Especial de Revitalização, suscetível de garantir um período de tréguas ao devedor por parte dos seus credores, em cujo decurso seja ainda possível proceder a operações de reestruturação, económica e financeira;
2. A revisão do PEC, que se espera venha a contemplar a suspensão temporária das diligências executivas contra o devedor, em linha com as recomendações da Troika no sentido de estimular o recurso aos instrumentos de reestruturação voluntária extra judicial;
3. A capitalização e agilização dos fundos de capital de risco públicos, recorrendo a verbas comunitárias como meio auxiliar de financiamento à economia, em debate com insustentáveis problemas de liquidez;
4. Um novo paradigma de atuação para os administradores de insolvência, abandonando a velha tradição liquidatária e premiando a recuperação, em linha com a anunciada nova filosofia do CIRE;
5. O inadiável alinhamento dos credores públicos quanto aos termos de negociação das dívidas tributárias, contrariando uma atuação a duas vozes e temperando, sobretudo no seio da administração tributária, os objetivos de cobrança com um efetivo
contributo para o relançamento da economia, em contexto de crise.
Corre, pois, em várias frentes, o anunciado "Programa Revitalizar", aguardando-se a sua completa clarificação em alguns domínios e, bem assim, a célere aprovação, publicação e entrada em vigor dos respetivos instrumentos normativos.
Logo que tal aconteça, restará fazer o mais difícil: transpor o animus legislativo para a praxis da economia, para o quotidiano das empresas e dos organismos do Estado, em termos que, quebrando com uma longa tradição, possam traduzir corretamente a prioridade outorgada à recuperação da economia nacional. O grande desafio será, pois, o de fazer convergir, de modo sistemático, quem até há bem pouco tempo estava acostumado a caminhar de costas voltadas.
Um desafio, diríamos, transversal a todas as reformas que, com proveito, Portugal queira levar por diante.
Publicado no
OJE