1.9.09

Clareza




A propósito de uniões de facto, Henrique Monteiro escreveu no último editorial do Expresso, mais ou menos, o seguinte: pretender dar a quem não assinou um contrato, os direitos e os deveres daqueles que o assinaram é uma aberração. Ou seja, quem quer casar, que se case, quem não quer, o que é inteiramente compreensível, pois que passe bem assim. Se não passar, pois que case e, eventualmente, volte a descasar. A ideia, no fundo, é simples: quem quer compromisso, que o assuma como uma pessoa crescida. E se esta simplicidade toda não se verifica para os casais homossexuais, discutamos o assunto de frente e deixemo-nos de histórias. De acordo.

Mas a verdade é que nada disto me interessaria tanto se não fossem as recentes declarações de Paulo Mota Pinto ou, noutro sentido, de Rodrigo Santiago. Se não fossem os dois de Coimbra. E se – mais um do que outro, é certo – não tivessem projectado a ideia de um bloco central, de uma fórmula apartidária, suprapartidária ou mesmo divina de governação. O que seria a institucionalização, desnecessária quanto a mim, de uma união de facto.

É verdade que o PS e o PSD estão unidos de facto, há muitos anos, naquilo a que se vem chamando o arco da governação. Simplesmente, se querem governar juntos, que se apresentem juntos a votos. É aqui que discordo do cabeça-de-lista do PSD pelo círculo de Coimbra, quando não exclui cenários de coligação: os resultados eleitorais não são meros ingredientes que permitam todos os temperos, em todos os cozinhados. E julgo que iguarias tipo “sardinha assada com café com leite” são dispensáveis à mesa de qualquer português médio.

De um modo diferente, ao dizer que a ideologia não tem cabimento na política autárquica, Rodrigo Santiago acaba por trilhar um caminho semelhante. O candidato à Assembleia Municipal de Coimbra mata a ideologia na política local e acaba por ser cúmplice do mesmo crime na política nacional. Para o efeito de negar diferentes concepções de Estado, cidadão e sociedade, defender um bloco central ou enforcar a ideologia nos Paços do Concelho, é rigorosamente a mesma coisa.

Ao contrário do que pensa o PSD de Paulo Mota Pinto ou a candidatura de Pina Prata, em Coimbra faz diferença um presidente de Câmara que promova o emprego, ao invés de reservar esse papel para o mercado. Faz diferença combater a insegurança na Baixa com um casse-tête ou procurar as razões profundas, sociais, urbanísticas, na origem do problema. Faz diferença dar espaço a uma política cultural que nos eleve, no lugar de sustentar um folclore que nos entretenha. Enfim, como na história das uniões de facto, é preciso haver clareza.