Solta-se um último suspiro na Ceres. A cinquentenária fábrica de cerâmica, em Torre de Vilela, prepara-se para a completa liquidação e para lançar no desemprego quase duas centenas de trabalhadores. Dir-se-á que é mais uma, apenas mais uma, de muitas fábricas a fechar. Dir-se-á, também, que como as outras, segue o caminho normal, desejável até, desde que as trombetas soaram para decretar a inexorável falência dos sectores tradicionais. Dir-se-á, ainda, que o emprego em Coimbra há-de encontrar-se, algures, entre uma repartição de finanças e um laboratório de partículas . É a voz corrente, em especial para os lados da 8 de Maio. Mas não é verdade.
A história da Ceres não se confunde com as outras, muitas outras infelizmente, que têm fechado nos últimos anos. A Ceres não é sequer um fábrica que tenha sucumbido, simplesmente. Pelo menos desde 2005 que a Ceres está, como diriam os antigos, entrevada. E a verdade é que talvez tenha chegado a hora de, finalmente, a deixarmos partir.
Sucede, no entanto, que ao contrário do que já li na imprensa, não estamos perante um caso de eutanásia industrial. Se quisermos ser sérios, nem o governo, nem o sindicato, poderão ser responsabilizados pelo ocaso da Ceres. A cerâmica de Torre de Vilela é, apesar de tudo, um exemplo de boa e esforçada concertação, quer do governo, quer do sindicato, com a administração da empresa, ao longo de mais de cinco anos. Malfadadamente, sem um final feliz.
Mas também não é verdade que a Ceres siga o caminho desejável, num tempo em que – com uma temporária concessão às vuvuzelas - parece faltar lugar para quem não se dedique a produzir foguetões ou comprimidos de libertação prolongada. Estender uma passadeira vermelha às chamadas indústrias com “elevada incorporação tecnológica” não implica, necessariamente, puxar o tapete aos sectores tradicionais. Desde logo, porque a incorporação tecnológica não se mede pelo produto final, mede-se antes pelo processo produtivo.
Finalmente, a ideia de que em Coimbra somos demasiado qualificados para meter as mãos no barro, carece, quer de sensatez, que de confirmação estatística. De sensatez, porque cada vez mais serão os empregos a escolher-nos, não o contrário. De confirmação estatística, porque o nosso superavit de qualificações – com especial incidência ao nível das humanidades – não será mais apelativo num laboratório de astrofísica do que no departamento de recursos humanos de uma fábrica de azulejos.