Quem quer fazer política em Portugal deve abdicar de falar português. Quando se é político tem que se falar uma outra língua: encriptada, reservada, ambígua, manipuladora, por vezes – um dialecto que Camões teria, decerto, a maior dificuldade em reconhecer. Ganha a política, ganharão os cidadãos, alguma coisa com isso? Creio que não. Mas essa é a condição primeira para que, na era das manchetes, dos twits, dos posts, se sobreviva ao juízo dos próprios cidadãos, mais ou menos mediado pela comunicação social. Ser claro sai caro e na maior parte dos casos, - veja-se a ironia – conduz à incompreensão.
Depois, queixam-se os cidadãos, queixam-se os comentadores, queixa-se uma parte dos partidos, do chamado empobrecimento do debate político ou da aparente indistinção dos discursos dos seus principais protagonistas. Pudera, quando criámos o caldo de cultura perfeito para que ninguém se sinta confortável a analisar o fundo das questões, procurando ser intelectualmente honesto e, enfim, dizer o que pensa. Só na reforma - temos vários exemplos disso – a maior parte dos políticos se dá ao luxo de o começar a fazer, sem reservas mentais, sem rodriguinhos, sem “se” “mas” “porém”.
A recente novela em torno das declarações de Ana Jorge, cabeça-de-lista do PS por Coimbra, a propósito do Metro Mondego, é disto um exemplo bastante impressivo. O essencial das suas declarações – a “prioridade é a conclusão das obras no Ramal da Lousã, para que num horizonte temporal de 2014 o troço Serpins (Lousã)-Parque (Coimbra) seja uma realidade” – passou logo para segundo plano quando referiu, por mero dever intelectual e sentido de responsabilidade, diferentes caminhos para um problema que, nas actuais circunstâncias, merece mais do que uma abordagem a preto e branco. Claro que a façanha lhe valeu, como era de prever, um verdadeiro chilique da oposição local, com grosserias à mistura, uma oposição que parece preferir narrar a política como se de um livro do Dan Brown, com anjos e demónios, se tratasse.
Sucede que para além da ficção, na crua realidade do país real, é preciso que se mantenham firmes aqueles que se recusam a fazer da política uma espécie de fado à desgarrada, onde vence quem se apresenta com a voz mais grossa e, por mais disparates que diga, consegue sempre a última palavra. É dessa massa – da dos que resistem à vulgaridade – que se fará a política do futuro. Se houver futuro.