15.9.09

Bem-vinda

Ana Jorge começou a sua campanha, em Coimbra, com uma declaração de princípios. Na era dos soundbytes, a Ministra da Saúde, agora cabeça de lista do PS pelo círculo eleitoral de Coimbra, pôs de lado as trivialidades e ateve-se ao essencial da política. O sentido ético e as grandes causas tomaram o lugar do paroquial filistinismo e, por ora, ficámos a saber que 1. Despirá a pele de Ministra e limitará as suas intervenções, nessa veste, ao que a Gripe A venha a impor; 2. Acentuará a defesa do Serviço Nacional de Saúde (SNS) como vértice do Estado Social.

Ana Jorge terá desiludido os que se habituaram à política tipo faísca, àquela forma de estar e dizer que se destina a “marcar a agenda”. Para esses, a política não passa, aliás, disso mesmo: uma narrativa sul-americana, pontuada por clímaxes de paixão, traição e vingança. É a política telenovela que, de todo o modo, nos conforta, já que sempre haverá de chegar ao último dos capítulos. Mas essa não é, evidentemente, diria eu, a cultura da dra. Ana Jorge.

Nestas coisas, haverá quem esteja muito talhado para marcar a agenda. Eu prefiro os que se inclinam, antes, para marcar a História.

Ao clarificar os termos em que conciliará a condição de candidata com as obrigações de ministra; ao antecipar esse código de conduta, Ana Jorge não está, apenas, a justificar a sua posição. Está a dar um sinal a todos os que, ocupando lugares públicos, sempre devem destrinçá-los da sua vida partidária. Está a dizer-nos que percebe o alcance das suas responsabilidades. E que também aceita os limites do seu próprio poder. Respira-se, pois, sem sinais de asfixia.

Já a referência ao SNS tem a virtude de confrontar os que, como o candidato Mota Pinto, têm alergia ao Estado. A liberdade que esses defendem, a liberdade que a dr. Ferreira Leite também apregoa, é a liberdade dos que a podem pagar. Aos outros, aos que não possam pagar, por exemplo, os cuidados de saúde, restar-lhes-á aceder a serviços públicos de 2º classe ou aguardar, de mão estendida, a caridade do Estado. Ferreira Leite até pode não querer privatizar o SNS, mas a passadeira que estende aos privados – uma vertigem de Beveridge para Bismarck – levará a que, no momento certo, já não haja SNS para privatizar.

Ética na política e uma visão de esquerda sobre as funções sociais do Estado. Se o que nos traz é aquilo que parece, seja bem-vinda a Coimbra, dra. Ana Jorge.