29.7.09

Vêm aí férias.

A sério.


(cortesia involuntária do "E Deus criou a mulher")

Little man?



Abaixo, interessante artigo sobre os desafios de liderança na Europa. Faz muito sentido pensar nisto, a curto prazo, sobretudo depois da eleição de Obama nos EUA e de uma certa atmosfera de "regresso da política" que, apesar de tudo, se respira.

Mas e Durão Barroso? Será ele um "little man"?

O que faz mais falta à Europa?

Teresa de Sousa, Jornal "Público"
29 de Julho de 2009



1.O que faz mais falta à Europa? Podia ser esta a pergunta prévia para a escolha do futuro presidente do Conselho Europeu. Faz sentido começar a colocá-la porque a corrida já começou e porque haverá relativamente pouco tempo para concretizá-la. Admitindo que os irlandeses aprovam no próximo dia 2 de Outubro o Tratado de Lisboa e que os presidentes checo e polaco acabarão por abandonar as suas reservas antieuropeias em assinar um tratado que os respectivos parlamentos já ratificaram, restará pouco mais de um mês aos líderes europeus para se entenderem sobre os nomes que devem preencher os lugares do topo das instituições europeias. Barroso já tem o seu lugar praticamente garantido. Ficam por preencher os cargos de alto representante para a política externa com poderes reforçados pelo novo tratado, que será também o vice-presidente da Comissão, as pastas mais importantes e mais cobiçadas do executivo e, finalmente, aquele que se aproximará mais da ideia de um presidente europeu. A presidência sueca terá de ter a sua missão concluída o mais tardar na cimeira de Dezembro.
Regressemos então à questão prévia. O que faz mais falta à Europa é uma visão comum sobre o seu lugar num mundo que está a mudar vertiginosamente e num sentido que obriga os europeus a uma corrida contra o tempo que ainda não têm a certeza de conseguir ganhar. O maior desafio que a Europa enfrenta é ser capaz de afirmar-se como actor global num mundo cada vez mais multipolar. Preservando a sua natureza multilateral e projectando-a à sua volta.
Qual é o único caminho para não perder a corrida? Uma sólida aliança estratégica com a América de Obama e a capacidade para agir concertadamente a nível internacional. Em Moscovo como em Pequim, Nova Deli ou em Brasília.

2.Até agora há apenas um nome na corrida: o de Tony Blair. O Governo britânico já oficializou a sua candidatura, abrindo as portas às mais varridas especulações. No microcosmos de Bruxelas onde se tende a olhar ainda para a velha UE como se nada ou pouca coisa tivesse mudado desde os bons velhos tempos da guerra fria, já começou a batalha contra um político que tem naturalmente pouco a ver com essa visão idealista, simpática mas também ultrapassada, fechada e pequena da Europa. Há muitos argumentos que se podem enumerar na coluna do "deve" contra o antigo primeiro-ministro britânico. Que alinhou com George W. Bush no Iraque (esta é provavelmente a pior das acusações), que não foi suficientemente europeísta para levar o seu país até ao euro. Que é demasiado liberal quando a crise económica trouxe mau nome ao liberalismo. Que fez pouco como enviado do Quarteto para o Médio Oriente (embora isso seja o reflexo do pouco ou nada que fez o próprio Quarteto). Que é muito pró-europeu pelos critérios britânicos mas pouco pró-europeu pelos critérios, por exemplo... da Bélgica.
O que é que podemos colocar no lado do haver? Que Blair tem uma ideia clara sobre o lugar da Europa no mundo e sobre a importância de se transformar num actor estratégico e que é capaz de a transmitir. Que é um político conhecido e admirado mundialmente (por apoiantes e adversários). Que tem a estatura necessária para figurar ao lado de Obama, de Putin ou de Hu Jintao, mas também de Angela Merkel ou Nicolas Sarkozy ou... David Cameron. Que tem a vantagem de ser britânico. Não haverá Europa com peso e influência mundial sem o Reino Unido. Nada preocupa mais as chancelarias europeias (particularmente Berlim) do que a perspectiva quase inevitável de ver o líder conservador britânico chegar a Downing Street e adoptar uma política europeia que nem nos seus piores sonhos poderiam ter imaginado.

3.Claro que as alternativas também contam. A favor ou contra Blair. Se a Europa quiser um "little man", como escrevia o Times de Londres, que não faça sombra a ninguém e que se entretenha nas tarefas de gestão da agenda e de negociação de consensos, terá muita gente à sua disposição. Sem qualquer ofensa para os próprios, os nomes mais falados são o de Jean-Claude Juncker, amigo de todos os líderes europeus porque é o mais antigo do Conselho Europeu, mas também o eterno Guy Vehrofstadt (vetado para presidir à Comissão quando Barroso ganhou) ou o já quase esquecido Wolfgang Schussel, antigo chanceler austríaco. Haverá outros. Mas isso quereria dizer que os "grandes" tinham definitivamente optado por uma Europa que fosse o resultado (inevitavelmente mínimo) da soma dos respectivos interesses nacionais de curto prazo.
Se a escolha for por um "big man", voltando de novo ao Times, fica logo à partida bastante reduzida, ainda que não limitada, a Blair.
Há, na verdade, um candidato quase perfeito, se me é permitido o exagero, que se chama Felipe González. Tem todas as vantagens de Blair - estatura internacional, visão do mundo, capacidade política -, com a vantagem adicional de ser um crente mais firme na integração política europeia. Diz-se que pode não estar interessado. É difícil de acreditar que não se deixe tentar. Não foi certamente por acaso que aceitou há dois anos a presidência do grupo de "sábios" que os líderes europeus criaram para pensar a Europa no longo prazo.
Tem, todavia, um senão: com Barroso na Comissão, o peso ibérico seria demasiado grande. O facto não devia ser impeditivo mesmo que provocasse muitas e variadas reclamações. E o Norte poderia ser compensado com a escolha do futuro chefe da diplomacia europeia, que os países nórdicos ambicionam e para o qual têm, aliás, alguns candidatos. Olli Rhen, o actual comissário finlandês para o alargamento, é um deles. Outro é Carl Bildt, o chefe da diplomacia sueca, aliás com fortes credenciais para o cargo. E nomes com tão boas credenciais europeias como Chris Patten ou Joschka Fischer poderiam ser também considerados.
A questão é perceber que estas escolhas serão fundamentais. Se os líderes europeus (sobretudo dos "grandes") optarem por uma figura mais pálida, capaz de moderar negociações internas mas incapaz de personificar a Europa para os europeus e para o mundo, então isso será um sinal de que estamos em risco de perder a corrida. Se optarem por Blair ou González, pode ser que a Europa ainda consiga não ficar para trás.

28.7.09

Relativamente felizes



Não é verdade que haja insegurança em Coimbra. Ou melhor, não haverá em Coimbra menos insegurança do que no mundo, em geral, que como se sabe, não está para brincadeiras. Os números estão lá para quem quiser ver e, lamento desiludir, também neste item, Coimbra não se assemelha a uma grande cidade.

Para os teóricos destas questões, a insegurança está associada a um certo desregramento no crescimento das cidades, do seu tecido económico-social. Ora, como Coimbra não cresce grande coisa, vai para uns anos valentes, nem o tal tecido chega para muito mais do que um cai-cai, não há, em Coimbra dores - pelo menos, não de crescimento - a assinalar.

Pelos entremeios, claro que há assaltos e episódios de violência em Coimbra. Circunscritos e perfeitamente identificados. Que as vítimas têm o direito de valorizar e que, claro, a comunicação social não deixará de noticiar, quando não de amplificar.

É mesmo assim. Não se passando nada de jeito em Coimbra, para além da habitual grosseria político-partidária e das saídas delicodoces do dr. Encarnação; não havendo um projecto de cidade para discutir ou investimentos para anunciar; não se vislumbrando a criação de novos empregos ou a realização de iniciativas culturais relevantes - vocês sabem do que eu estou a falar - a comunicação social volta-se para o que pode. E o crime, pelo menos algum crime, faz sempre uma manchete graúda.

Às notícias sobre insegurança na baixa, o dr. Encarnação deveria responder, por exemplo, colocando a sua polícia municipal a fazer vigilância, em vez de nos ir à carteira e de nos rebocar, sofregamente, os automóveis. Prefere, no entanto, para além de forçar os agentes municipais a comportarem-se como “cobradores do fraque”, fingir que lhes desconhece as competências e retomar, compulsivamente, a sua ladainha.

Vai dizendo que nos ama e que odeia o Governo que, por sua vez - assegura - nos odeia a nós que, na sua opinião, devemos amá-lo e respeitá-lo a ele, Carlos, alindá-lo com uma flor de laranjeira e levá-lo ao altar. Casados à força, uma vez mais - não creio que por amor - seremos relativamente felizes para sempre. Ou até um dia.

27.7.09

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"Não é verdade que haja insegurança em Coimbra. Ou melhor, não haverá em Coimbra menos insegurança do que no mundo, em geral, que como se sabe, não está para brincadeiras. Os números estão lá para quem quiser ver e, lamento desiludir, também neste item, Coimbra não se assemelha a uma grande cidade."

(...)

26.7.09

O seu a seu dono

O Ricardo Castanheira foi recentemente premiado pela Microsoft, em virtude do seu desempenho profissional, nos quadros da empresa.

Ora, o Ricardo é um socialista de Coimbra. Foi deputado muito jovem e presidiu à FDTI, nomeado pelo actual governo. É pena - não sendo surpreendente - que o PS Coimbra se remeta, quanto àquele prémio, ao silêncio.

Honestamente, não creio que nos partidos só estejam obscuros malfeitores e, menos ainda, que a vida fora deles seja um paraíso de virgens esclarecidas. Mas assinalo que há muita gente boa a afastar-se da política, dos partidos e de...Coimbra.

Fica, da minha parte, um abraço, sincero, ao Ricardo.

22.7.09

O António faz (muita) falta!




OBAMA É UMA CONDIÇÃO NECESSÁRIA, MAS AINDA NÃO SABEMOS SE É SUFICIENTE

22.07.2009


O estado do mundo segundo o homem de quem depende a sorte das vítimas mais vulneráveis dos conflitos internacionais. O seu apelo é que seja dada aos problemas humanos a mesma atenção que é dada aos problemas financeiros. Por Teresa de Sousa

Há muito que já não olha o mundo a partir de S. Bento ou do Conselho Europeu. Passou a vê-lo do lado dos dois milhões de refugiados e deslocados que estão à sua responsabilidade no Paquistão. Com muito mais pessimismo. Não por estar ao lado das vítimas mais vulneráveis das crises internacionais mas porque pensa que os últimos 10 anos foram de retrocesso nas relações internacionais. A sua ideia é a de que é preciso "globalizar" os direitos humanos e tentar de novo colocá-los no centro da agenda mundial. Obama é a condição necessária mas ainda não a suficiente. Olha a Europa com crescente descrença.
António Guterres, 60 anos, ex-primeiro-ministro português, é há quatro anos o alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados. Está a fazer aquilo que queria fazer nesta altura da vida. Veio a Lisboa receber o Prémio Internacional Calouste Gulbenkian.


Li recentemente no Guardian um artigo seu em que faz a seguinte afirmação: "A mesma comunidade internacional que se sentiu obrigada a gastar centenas de milhares de milhões para salvar o sistema financeiro devia também sentir-se obrigada a salvar as pessoas que estão neste grau desesperado de necessidade." É uma afirmação duríssima.
Não tem medo de ser acusado de demagogia?


Não peço que seja gasto o mesmo dinheiro que foi gasto para salvar o sistema financeiro. Se o fizesse seria demagogo. O que peço é que seja dada a mesma atenção aos problemas humanos que é dada aos problemas financeiros. Porque, se isso for feito, não tenho dúvidas de que serão adoptadas estratégias de prevenção e de apoio à solução de conflitos que evitarão que muita gente venha a encontrar-se nas situações dramáticas com que tenho convivido. E porque, se isso acontecer, os recursos à disposição dos que estão envolvidos em operações humanitárias à escala global poderão, ao menos, cobrir uma grande parte das necessidades mais dramáticas que ainda estão sem resposta.

Está a dizer que não há essa atenção.

Isso é evidente. Se reparar, verifica que o financeiro recebe sempre mais atenção que o económico, o económico mais atenção que o social e o social mais atenção do que o humanitário. Dramas humanitários como os que se vivem na República Democrática do Congo ou na República Centro-Africana estão hoje completamente esquecidos do debate internacional e nesses países continua a haver milhares e milhares de pessoas que morrem indevidamente ou que são vítimas das mais graves violações dos seus direitos, permanecendo a impossibilidade de fazer frente a estas situações.

Ler mais, no Público.

21.7.09

Perguntas sem resposta



Eduardo Lourenço visitou Coimbra na passada semana, a convite das Fundações Inatel e Mário Soares, para falar das “novas respostas da cultura”. Não desiludiu, como se previa, e acabou por deixar claro, depois de um impressionante exercício de reflexão, que afinal não há resposta nenhuma. Desenganou depressa os que contavam com o esplendor da cultura para resolver os males do mundo. A cultura não é a resposta, é a própria pergunta. Uma força interior que distingue os homens dos bichos e que lhes garante a liberdade de uma existência original, uma existência que a natureza - por si só - não determina.

Esta ideia - que acaba por ser uma resposta estimulante - fez pesarosa notícia nos jornais. E, para além dela, fez notícia o “alerta” (expressão dos jornais, não do filósofo) de que a “humanidade vive um apocalipse suspenso”. Os jornais, como de costume, a decretarem, assim, o próprio apocalipse, e desta forma a des-suspenderem-no, neste tempo em que a existência das coisas se confunde com o seu anúncio.

Não creio, embora possa ter percebido mal, que ao “aliviar” a cultura de responder, pelo menos convencionalmente, aos desafios sociais, o professor Eduardo Lourenço quisesse desesperar o povo. Como não creio que pretendesse o filósofo precipitar o apocalipse, anunciar a derrocada do mundo em Coimbra, como as notícias entretanto publicadas parecem indiciar. A ruína da humanidade, ou chegará sem aviso, ou não creio que se faça anunciar na Rua Pedro Monteiro, à Sereia. Por outro lado, essa “notícia”, como revelação final, acabada, do pensamento culto, como a inapelável sentença de um cultor é, de certo modo, incompatível com a tal ideia - inspiradora, digo eu - de que a cultura é a pergunta, não é a resposta.

Faltou contar o modo como Eduardo Lourenço começou a sua exposição, revelando aos presentes que, no seu tempo de estudante em Coimbra, os professores da cidade não davam aqui conferências. Eram os estrangeiros, os que vinham de fora - como que de um paraíso longínquo - que encantavam os intelectuais da cidade, como se fossem verdadeiros enviados celestes. Ficou no ar que o fascínio pelos conferencistas estrangeiros - não faltando em Coimbra intelectuais de prestígio - era, sobretudo, consequência dessa sua condição. O desprezo pelos santos da casa e o apreço pelos forasteiros.

No caso de Eduardo Lourenço, em todo o caso uma personalidade genial, não é fácil saber se o seu afastamento do país concorre muito ou pouco para o entusiasmo, incomum, com que a cidade o recebe - o autor de “O Labirinto da Saudade”, não sendo estrangeiro, é pelo menos estrangeirado. Mas fica por saber, sobretudo, se foi inocente aquele comentário, vindo de um irreverente psicanalista da sociedade portuguesa, que conhece bem Coimbra e, decerto, muitas das suas idiossincrasias. Os jornais não tocaram no assunto. E eu tive - por mim, não por Coimbra, entenda-se - vergonha de perguntar.

20.7.09

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Eduardo Lourenço visitou Coimbra na passada semana, a convite das Fundações Inatel e Mário Soares, para falar das “novas respostas da cultura”. Não desiludiu, como se previa, e acabou por deixar claro, depois de um impressionante exercício de reflexão, que afinal não há resposta nenhuma. Desenganou depressa os que contavam com o esplendor da cultura para resolver os males do mundo. A cultura não é a resposta, é a própria pergunta. Uma força interior que distingue os homens dos bichos e que lhes garante a liberdade de uma existência original, uma existência que a natureza - por si só - não determina. (...)

17.7.09

Bom fim de semana



Parece o Eros Ramazzotti, mas em gordo!!! LOL

16.7.09

Plano Municipal de Saúde para Coimbra

Publico, abaixo, comunicação que proferi ontem, na Escola de Verão - Peer 2009, organizada pela Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, no âmbito de um projecto de investigação internacional. Tendo por tema "O DESAFIO DAS CIDADES SAUDÁVEIS",acabei por projectar a análise em Coimbra e deixei a proposta de um Plano Municipal de Saúde.

1.A SAÚDE DAS CIDADES

A cidade é a casa verdadeira dos cidadãos. Mais do que a sua habitação. Muito mais do que a dimensão país ou o mundo global.

Na verdade, o próprio conceito de "Cidadania" tem origem etimológica no latim civitas, significando "cidade" e designa um estatuto de pertença de um indivíduo a uma comunidade politicamente articulada e que lhe atribui um conjunto de direitos e obrigações. (http://www.eurocid.pt/)

É pois razoável dizer-se que a cidade, onde os homens se encontram, onde trabalham, onde respiram, em cuja administração participam, é o seu lugar primeiro. É na cidade que parte significativa da população passa o seu tempo. E, mesmo a globalização, referência geo-cultural integradora, impõe que se aja localmente, ao nível da comunidade que nos acolhe e que, no fim de contas, nos preenche e nos orienta.

Vêm, por isso, de longe, as preocupações com a organização da cidade, com o seu planeamento, com a administração do seu território.

Vem de longe a ideia de que o bem-estar dos cidadãos, a sua qualidade de vida – conceitos necessariamente difusos – estão intimamente ligados ao ordenamento urbano.
Vem, pois, de longe a ideia de que a saúde dos cidadãos – um conceito amplo de saúde, a que, adiante, voltarei – está associada a uma cidade sem doenças; uma cidade, ela própria, que se apresenta como um organismo vivo. Muitos autores se têm debruçado, de resto, sobre o “metabolismo urbano”.

De qualquer das formas, creio fazer sentido dizer que a saúde nas cidades é indissociável da saúde das cidades.

Aristóteles, no seu Tratado de Política, escreveu:

“Quanto à comodidade intrínseca, é preciso, no que respeita à situação das cidades, ter em consideração quatro coisas.

Em primeiro lugar, a salubridade é essencial; por conseguinte, deve preferir-se a exposição e os ventos do Oriente como mais sãos…

Como o essencial é, antes de mais, providenciar à saúde dos habitantes… estes problemas merecem a maior atenção: porque não há nada mais importante para a saúde como o que é de uso diário e contínuo, como o ar e a água.”

Aristóteles referia-se, assim, à cidade como espaço de desejável salubridade. A cidade que é, ou deve ser, simultaneamente, um nicho de liberdade e de segurança, ambos requisitos de cidadania plena para os quais a saúde, decisivamente concorre.

A relação entre a cidade e a saúde vem, diga-se, desde as origens do urbanismo.

Basta ver, com Jorge Gaspar, que a disponibilidade de alimentos, um dos problemas básicos da saúde, esteve na origem da própria cidade. Foi a partir do momento em que as sociedades agrárias conseguiram produzir com regularidade excedentes alimentares – na China, na Índia, na Mesopotâmia – que se promoveu a diferenciação social do trabalho e foi possível concentrar funções que beneficiariam das chamadas economias de aglomeração. Tendo sido esta aglomeração que implicou novas infra-estruturas e colocou novas questões de natureza sanitária: abastecimento de água, esgotos, arejamento; além da exposição a outros riscos, como incêndios, cheias, epidemias…

São também conhecidas as discussões em torno, por exemplo, do tamanho óptimo da cidade, como resposta às disfunções da era pós-industrial e, muito antes, na própria Roma Imperial. As medidas higienistas de Roma, no período do Império, como a higiene na via pública, os espaços verdes, o abastecimento de água e os cemitérios, representam, lá longe no tempo, respostas ao crescimento excessivo da cidade, indissociáveis de uma certa ideia de salubridade na concepção urbana.
Londres, Paris, Berlim e Nova Iorque, são exemplos de cidades que, com o advento da industrialização, se confrontaram, dramaticamente, com a necessidade de equilibrar crescimento e inovação, com saúde e sustentabilidade.

Berlim, no início do século XX tornou-se um caso extremo, tendo a sua população passado, entre 1890 e 1910, de 1,9 milhões para 3,7 milhões de habitantes.

Também no dealbar do século XX, Nova Iorque era a cidade com maior população imigrante no mundo e Paris, desde os finais do século XVIII, assistiu a um crescimento enorme da sua população, não tanto por via de uma industrialização que vinha em contínuo, mas associada ao enorme surto de construção civil, em parte ligada à nacionalização dos bens dos emigrantes e, sobretudo, dos bens eclesiásticos.

Lisboa, por fim, numa dimensão diferente, viu acumulados problemas como o terramoto de 1755, as invasões francesas, as guerras civis, as epidemias de cólera, a industrialização e o êxodo rural. Todos em concurso para a insalubridade urbana, que confunde, necessariamente, o estado de saúde das cidades com o estado de saúde dos cidadãos.

Sobrevoar a história do planeamento urbano, o modo como os antigos se viram forçados a lidar com a concentração das populações e com o crescimento, na óptica do bem-estar colectivo, da saúde da comunidade, em sentido amplo, é um primeiro passo decisivo para compreender os desafios que, hoje ainda, longe de estarem resolvidos, se colocam aos decisores políticos, à sociedade civil, aos académicos, às empresas, a cada um dos cidadãos.

A saúde das cidades é, necessariamente, um projecto multidisciplinar e intersectorial, que convoca, desde logo, o planeamento urbano, mas que nos convoca a todos.

Na esteira do que vem dizendo o Arquitecto Ribeiro Telles, “o homem tem de dominar o lugar, mas sem o destruir.” E, permito-me eu acrescentar, sem se destruir.


2.O DIREITO À PROTECÇÃO SAÚDE

Mas porque dedicamos nós, afinal, tanta atenção à saúde? A resposta parece, empiricamente, óbvia. Sobretudo se nos cingirmos a uma concepção assistencial, unilateral, de saúde. À saúde dos direitos. No limite, ao direito que temos de estar vivos.

Outra coisa, no entanto, é falar da promoção da saúde. Falar da saúde dos direitos, mas falar, também, da saúde dos deveres. Individuais e comunitários.

A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 64º, estabelece o seguinte:

Direito à Saúde

1. Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover.

Bem se entende que no capítulo dos Direitos e Deveres Sociais, a saúde esteja inscrita como uma sua dimensão fundamental. A Constituição de 1976 consagrou, assim, um direito universal à defesa e protecção da saúde, logo reforçado, designadamente, pela Lei de Bases da Saúde e pelo Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, cuja paternidade, sublinhe-se, pertence a uma personalidade de Coimbra, o Dr. António Arnaut.

E na esteira do que defende Gomes Canotilho, a dignidade do direito à protecção da saúde impõe, de resto, a inconstitucionalidade das medidas legislativas que, na prática, impliquem a “anulação”, “revogação” ou “aniquilação” desse Direito Fundamental Social, no que seja o seu núcleo essencial.

Mas o Direito à Protecção da Saúde, tendo este respaldo constitucional, é sobretudo uma conquista universal de civilização, um imperativo ético, intimamente associado à construção de sociedades justas e plurais, indissociável do reconhecimento da dignidade da pessoa humana. Note-se, por exemplo, com Rui Nunes, que “o art.3º da Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedecina (1997) reconhece a existência de um direito à saúde”. O Direito à protecção e promoção da saúde é determinante para o exercício efectivo da igualdade de oportunidades e é, nesse sentido, condição de liberdade e condição, claro, da democracia.

Por outro lado, como já se assinalou, a protecção da saúde não se traduz apenas num direito. Tem ínsito um dever – individual e colectivo – de promoção da saúde. Aos cidadãos compete zelar pela sua própria saúde e pela dos seus, abstendo-se de comportamentos nocivos e adoptando estilos de vida saudáveis. À sociedade em geral, solidariamente, cabe organizar-se no desenvolvimento de estratégias multidisciplinares e intersectoriais que protejam a saúde e promovam uma cidadania responsável.

Com efeito, debruçando-nos ainda sobre a Constituição, e sobre o nº2 do artigo 64º, verificamos que o direito à protecção da saúde se realiza, quer “através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito”; quer, sublinhe-se, pela “criação de condições económicas, sociais, culturais e ambientais que garantam, designadamente, a protecção da infância, da juventude e da velhice; pela melhoria sistemática das condições de vida e de trabalho; bem como pela promoção da cultura física e desportiva, escolar e popular; e ainda pelo desenvolvimento da educação sanitária do povo e de práticas de vida saudável.”

Eis, portanto, a assumpção de um conceito amplo de saúde, aquilo a que alguns chamam uma abordagem holística da saúde, em que a saúde é considerada “produto social, isto é, com Mendes, resultado das relações entre os processos biológicos, ecológicos, culturais e económico-sociais que acontecem em determinada sociedade e que geram as condições de vida das populações.

Esta ideia foi aliás reforçada pela Carta de Otava, elaborada na Primeira Conferência Internacional de Promoção da Saúde realizada no Canadá, em 1986. A concepção ampla de saúde caracteriza-se, assim, para lá da mera ausência de doença, assimilando-se a um “estado adequado de bem-estar físico, mental e social que permite aos indivíduos identificar e realizar as suas aspirações e satisfazer as suas necessidades”.

Este é, pois, um desígnio que nos interpela a todos, que interpela as consciências e que desafia os poderes públicos, conjuntamente com as organizações da sociedade civil. E creio que o decisivo campo de batalha pode e deve ser a casa dos cidadãos, a cidade - a civitas latina - que não deve, ela mesma, padecer, como já foi dito e que deve ser um espaço de saúde, de bem estar e de conforto social. Por isso, também, um espaço de justiça, de liberdade e de democracia.

3.A REDE PORTUGUESA DE CIDADES SAUDÁVEIS

Chegados aqui, creio terem ficado claros três pressupostos relevantes:

Primeiro, a ideia de que a saúde nas cidades é indissociável da saúde das cidades. As cidades, elas mesmas, que são a casa dos cidadãos, determinam decisivamente as condições de exercício de uma cidadania plena e devem ser pensadas, projectadas e desenvolvidas, estruturalmente, como espaços de saúde e de bem-estar.

Segundo, a afirmação da saúde como Direito Fundamental, conquista universal de civilização, um imperativo ético, intimamente associado à construção de sociedades justas e plurais, indissociável do reconhecimento da dignidade da pessoa humana.

Terceiro, uma concepção holística da saúde. A saúde como direito, mas também como responsabilidade individual e comunitária, que se projecta expressivamente no contexto urbano, não apenas do ponto de vista estrutural, mas também como unidade de produção social que a cidade é, ou seja, processadora das relações biológicas, ecológicas, culturais e económico-sociais que determinam a qualidade de vida das populações.

Estamos, pois, em melhores condições para avançar para o desafio das cidades saudáveis, para a história da criação da Rede Portuguesa de Cidades Saudáveis, para as suas virtualidades e para o caminho que ela nos impõe.

Se atentarmos na Base IX da Lei de Bases da Saúde, podemos ler que sem prejuízo de eventual transferência de competências, as autarquias locais participam na acção comum a favor da saúde colectiva e dos indivíduos, intervêm na definição das linhas de actuação em que estejam directamente interessadas e contribuem para a sua efectivação dentro das suas atribuições e responsabilidades.

Apesar desta formulação cautelosa, produto normal do sempre difícil quadro de relacionamento entre os níveis central e local de poder público, fica clara uma ideia de participação e responsabilização das autarquias locais no domínio da saúde.

E, se pensarmos bem, agora que se aproximam eleições autárquicas, seria bizarro ver os candidatos que pomposamente anunciam melhores condições de vida para as suas populações renunciarem à promoção da saúde como desígnio. Argumentos contra, os de quem entenda a saúde, apenas, no seu vector assistencial, ligado à prestação de cuidados médicos e à ausência de doença. Mas sobre isso, creio que já laborámos o suficiente.

Falamos pois, neste ponto, finalmente, da saúde nas cidades, indissociável da saúde das cidades e que encontra raízes históricas longínquas.

A proposta de construção de cidades saudáveis radica, primeiramente, em Toronto, Canadá, em 1978. Pretendia-se, com o documento “A saúde pública nos anos 80”, estabelecer as linhas de acção política, social e de desenvolvimento comunitário no nível local, como resposta aos principais problemas de saúde pública.

Posteriormente, já em 1986, a Organização Mundial de Saúde, o governo do Canadá e a Associação Canadiana de Saúde Pública organizaram a Primeira Conferência Internacional pela Promoção da Saúde, que deu origem à Carta de Otava, então subscrita por 38 países.

A promoção da saúde passou, a partir daí, a ser crescentemente considerada num grande número de países e foi nesse contexto que surgiu o Movimento das Cidades Saudáveis, ainda no Canadá, com o intuito de operacionalizar a promoção da saúde à escala local.


Um município saudável, de acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde, é “aquele em que as autoridades políticas e civis, as instituições e organizações públicas e privadas, os proprietários, empresários, trabalhadores e a sociedade dedicam constantes esforços para melhorar as condições de vida, trabalho e cultura da população; estabelecem uma relação harmoniosa com o meio ambiente físico e natural e expandem os recursos comunitários para melhorar a convivência, desenvolver a solidariedade, a co-gestão e a democracia (1996)”.

Também de acordo com a Organização Mundial de Saúde (1995), para que uma cidade se torne saudável, ela deve esforçar-se para proporcionar:

1. Um ambiente físico limpo e saudável;
2. Um ecossistema estável e sustentável
3. Alto suporte social, sem exploração;
4. Alto grau de participação social;
5. Necessidades básicas satisfeitas;
6. Acesso a experiências, recursos, contactos, interacções e comunicações;
7. Economia local diversificada e inovativa;
8. Orgulho e respeito pela herança biológica e cultural;
9. Serviços de saúde acessíveis a todos;
10. Alto nível de saúde.

Este elenco diz muito e bem da complexidade deste desafio. Mas diz também muito da ambição colocada no que à gestão das cidades diz respeito, um desafio a que Portugal – de resto histórica e constitucionalmente comprometido, desde há muito – não poderia deixar de responder.

Foi, pois, neste contexto, e no contexto da Rede Europeia de Cidades Saudáveis, que Portugal criou, em 1997 a Associação de Municípios Rede Portuguesa de Cidades Saudáveis. Em Viana do Castelo, associaram-se como fundadores, nove municípios, tendo a rede passado a contar com a adesão de vinte e um municípios, no ano de 2007, quando completou uma década de existência.

Foi a consciência de que a saúde das pessoas que vivem no meio urbano é fortemente determinada por múltiplas causas sociais, económicas, políticas, ambientais e comportamentais que determinou, originariamente – e que hoje ainda determina – o compromisso destes municípios com o Projecto Cidades Saudáveis.

E desde a fundação da Rede, registam-se múltiplas iniciativas, espalhadas por municípios de Norte a Sul do país.

Destaco, apenas como exemplos, os “Percursos Rurais e Urbanos” de Bragança, o “Cantinho da Nutrição” em Lisboa, as “Artes da Saúde em Odivelas”, os “Domingos Saudáveis”, em Viana do Castelo. Ou, ainda, o “Concurso Bio Prato” na Lourinhã, o “Programa de Luta Contra a Obesidade Infantil”, em Miranda do Corvo, as “Bugas” em Aveiro ou o “Observatório de Segurança Rodoviária”, no Concelho do Seixal.


Todas as iniciativas que os municípios vêm desenvolvendo, no contexto da Rede, representam um esforço de aproximação à abordagem holística da saúde de que falámos e todas merecem, nessa perspectiva reconhecimento.

Efectivamente, os municípios envolvidos empenharam-se para colocar a saúde como prioridade na agenda política, assumindo-a como geradora de igualdade de oportunidades, de liberdade e de igualdade entre os cidadãos, de bem-estar social, de desenvolvimento sustentável.

Temo, porém, que este, em todo o caso assinalável, esforço, venha a redundar num somatório de iniciativas dispersas, nem sempre obedecendo a uma estratégia de fundo, nem sempre integrando todos os actores e todos os domínios de acção, incapaz, por isso, de elevar a saúde municipal a um verdadeiro vértice de intervenção estratégica.

Por mim, creio que é possível ir além no desenvolvimento do Projecto. E creio que, sem prejuízo do impulso agregador da Rede, é em cada Município, com as suas características próprias, com o envolvimento de toda a comunidade, que os verdadeiros avanços surgirão.


Apenas como provocação, digo que não faz sentido passar dos planos Global e Nacional para o Plano Municipal - assinalando-lhe as virtudes de proximidade, eficácia e participação - como se fez com o nascimento do conceito Cidades Saudáveis, para depois permitir que o desempenho local se veja demasiado dependente das Redes, abstraindo da responsabilidade própria - indispensável - de cada Município.

As redes devem catalisar o Movimento das Cidades Saudáveis, mas não são elas os termos principais da reacção.

A responsabilidade é das comunidades locais. A responsabilidade é de cada um de nós cidadãos. E é urgente que seja assumida, inapelavelmente.


4.UM DESAFIO PARA COIMBRA

Chegamos então, finalmente, a Coimbra. Aos desafios que, neste contexto, a cidade tem pela frente.

Mas fará sentido dizer que Coimbra, a cidade Capital da Saúde, tem ainda algum caminho para fazer neste domínio? Não se esgotará este exercício apenas num acto de irreflectida impertinência?

Como notas prévias, gostaria de dizer o seguinte:

Em primeiro lugar, e já o disse noutras ocasiões, creio que os títulos porque tantas vezes se anseia na cidade dos estudantes têm um efeito paralisador.

Proclamar a Capitalidade de Coimbra na Cultura é o primeiro passo para lhe adormecer o génio. Proclamar-lhe a liderança no Conhecimento é um passo decisivo para lhe refrear a ambição. Dizer que Coimbra é a Capital da Saúde, embora nos comova, deixa-nos com a impressão de que chegámos ao fim da história, o que, na Saúde, como na Cultura ou na Ciência é, para dizer o menos, improvável..

Coimbra não precisa de flores na lapela para se fazer bonita. Nós que temos o privilégio de viver na cidade e que temos a responsabilidade de participar no seu desenvolvimento, devemos evitar condecorações que, na maior parte dos casos, pretendem ajustar, prematuramente, contas com a história.

A história escrever-se-á pelas mãos de cada um de nós. E pelas mãos dos que, mais tarde, hão-de vir.

Há muito caminho para fazer. As notícias sobre a morte de Coimbra, sobre o fim da sua história são, portanto, claramente exageradas.

Em segundo lugar, gostaria de dizer que a Capitalidade de Coimbra, na Saúde, não dependerá apenas da excelência e diversidade dos seus Hospitais ou do número de médicos per capita com que podemos contar. Como resulta claro – e não me alongarei por aí – das alusões anteriores, a respeito da protecção da saúde em sentido amplo.

Mas avançando, a adesão de Coimbra à Rede Portuguesa de Cidades Saudáveis, fica marcada, sobretudo, por dois momentos. O momento da sua entrada, aquando da fundação da Rede, em 1997. E o momento da sua saída, corria o ano de 2003.

Razões de natureza organizativa e creio, também, de ordem financeira, conduziram à decisão de abandono, logo seguida da decisão de constituir um Grupo de Trabalho, no âmbito do Gabinete das Cidades Saudáveis.

Ora, é no seio deste Gabinete, no pressuposto de que ainda exista, que devem ser desenvolvidas as iniciativas tendentes a absorver o espírito do Projecto Cidades Saudáveis e é lá, também, que devem ser delineadas as políticas municipais neste domínio.


Como disse anteriormente, o simples facto de não fazer parte da Rede - embora traga custos de isolamento e o desperdício de algumas sinergias - não constitui, em si, uma tragédia. Desde que os municípios saibam assumir, integralmente, a sua responsabilidade nesta matéria.

Mas, quanto a isto, quero ainda dizer o seguinte:

Independentemente da irrelevância de títulos como o de Capital da Saúde; e ainda que, só por si, os equipamentos e recursos de saúde não sejam o bastante para transformar Coimbra numa Cidade Saudável, Coimbra tem, obviamente, condições singulares que podem, e devem, ser melhor aproveitadas.

O trabalho que a Escola de Enfermagem de Coimbra tem desenvolvido no âmbito da Educação pelos Pares é apenas um exemplo - embora um exemplo relevante - de como é possível envolver a sociedade civil, as instituições públicas e privadas, a comunicação social, as empresas, num projecto de educação para a Saúde, reconhecido na Comunidade e elogiado, quer em Portugal, quer no Estrangeiro.

E eu, que tenho tido o privilégio de colaborar com a Escola, com a sua Direcção, com os seus Professores e com os seus alunos, acredito que projectos como este, devidamente integrados e articulados, a par com outras iniciativas, de outros actores, nas áreas do ambiente, do ordenamento urbano, da segurança ou da protecção civil, para citar apenas algumas, podem resultar numa genuína e completa estratégia municipal de saúde, no que poderia ser, permitam-me a proposta, um verdadeiro Plano Municipal de Saúde para Coimbra.

Compreensivelmente, perpassa na sociedade portuguesa a ideia de que os Planos, como as Comissões ou os Grupos de Trabalho, não servem para coisa nenhuma. Mas também aqui, é preciso marcar a diferença entre fazer bem feito e fazer mal feito.

Quando falo de um Plano Municipal de Saúde, refiro-me a um instrumento que obedeça a prazos, que tenha por base um diagnóstico rigoroso, que defina a estratégia municipal numa lógica amplamente participada, que institua um verdadeiro Princípio de Integração da Saúde em todos os sectores de acção municipal, que envolva e comprometa todos os actores relevantes, cuja execução e resultados sejam regularmente fiscalizados e que se traduza, ao nível municipal, em verdadeiros ganhos em saúde.

A promoção de estilos de vida saudáveis, a educação para a saúde, o acesso aos serviços e cuidados, a equidade em saúde, o envelhecimento saudável, a promoção da saúde mental, a participação comunitária, a redução da prevalência de doenças associadas a estilos de vida, a qualidade ambiental, o planeamento urbano saudável, tudo isto deve ser propósito de quem queira, com responsabilidade, projectar e construir a Coimbra do Século XXI. Desconsiderar estas prioridades arrasaria, a prazo, o ambiente urbano e o convívio na civitas, comprometeria as fundações do próprio regime democrático e seria um golpe fundo na qualidade de vida dos cidadãos, de que tanto se fala, mas que é sempre difícil de caracterizar e, sobretudo, de concretizar.

Coimbra tem condições para se assumir como um exemplo a seguir neste domínio. As suas glórias maiores estão no presente e no futuro. Não estão no passado.

Se, de facto, fomos condenados à cidade, saibamos aproveitar a oportunidade que temos de converter essa pena em trabalho comunitário. Um trabalho na comunidade, para a comunidade e que envolva a comunidade como um todo. É esse o desafio, e também o compromisso, que vos deixo.

Coimbra, 15 de Julho de 2009

BIBLIOGRAFIA

Adriano, J. R. et. al. “A construção de cidades saudáveis: uma estratégia viável para a melhoria da qualidade de vida?”. Ciência & Saúde Coletiva, 5(1):53-62, 2000
Andrade, J.C. Vieira. Os Direitos Fundamentais da CRP de 1976. Almedina, 2007
Gaspar, Jorge. “Cidade, Saúde e Urbanização”. A Cidade e a Saúde. Almedina, 2007
Nunes, Rui. Regulação da Saúde. Vida Económica, 2005
Rede Portuguesa de Cidades Saudáveis. Saúde em Rede - Boas Práticas das Cidades Saudáveis.2007
Simões, Jorge. Retrato Político da Saúde. Almedina, 2005

15.7.09

Cartas de amor ridículas



Quando, há uns dias, tomei conhecimento do “profundo acto de amor” que o dr. Encarnação dedicou a Coimbra - saiba-se, a sua recandidatura - lembrei-me de Álvaro de Campos. Bom, sejamos honestos, não foi exactamente assim. Lembrei-me primeiro de fazer uma rábula com aquela despropositada declaração. E apercebi-me, depois, que aquele heterónimo de Pessoa me dava jeito e que, ademais, me envolvia numa certa aura de erudição. Pois, adiante.

Quando - faz de conta - me lembrei de Álvaro de Campos, logo após - faz de conta - a pirosa manifestação de amor por Coimbra com que o dr. Encarnação justificou a sua recandidatura à câmara, pensei num poema que, confesso, não relia desde a adolescência. Aquele das cartas de amor: “Todas as cartas de amor são/Ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem/Ridículas. Também escrevi em meu tempo cartas de amor,/Como as outras,/Ridículas.” Mas, quando me preparava para desbravar terreno e provar a relação entre o anúncio do dr. Encarnação e a poesia pessoana, deparei-me ainda com uma entrevista que, não favorecendo o dr. Encarnação, ao menos lhe patenteia alguma coerência. E antecipa, com notável honestidade intelectual, o golpe traiçoeiro que este escriba impertinente lhe vinha preparando.

Ora, disse o dr. Encarnação ao jornal universitário “A Cabra”, em 2005, quando perguntado se reconsideraria candidatar-se em 2009, que…“não”. Que isso lhe fazia “lembrar pessoas que dizem que não se recandidatam mas depois avançam“. Que isso fica “mal” a essas pessoas e que é uma “falha na credibilidade dos políticos”. Mas disse mais: disse, com todas as letras, com todos os efes e erres, que acha isso…“ridículo”.

Pois bem, é um facto que a recandidatura do dr. Encarnação, após ter dito que não reconsiderava, lhe fica mal. É também verdade que esse golpe de asa representa uma falha na sua credibilidade. E, devo dizer, respeitosamente, que não precisava o dr. Encarnação de dedicar uma carta de amor ridícula a Coimbra para que a sua atitude, neste contexto - e nas suas exactas palavras - o fosse, efectivamente. Ridícula, claro. Mas concluo que, num louvável acto de coerência, o dr. Encarnação não quis tornar a sua recandidatura menos ridícula do que ele próprio havia prometido em 2005. E, pudesse a falta de palavra, só por si, falhar o troféu, preferiu assegurá-lo com uma nota de arrebatado romantismo.

Não refeitos de tanto amor, muitos baterão com os talheres no prato - como nos casamentos - para que o nubente Encarnação beije a cidade em apaixonada euforia. De Outubro em diante - espero que antes - elevarão as mãos à cabeça quando, finalmente, perceberem o que aí vem: quatro anos de ressaca. Miserável e, já se adivinha, ridícula.

Hoje, no JN.

13.7.09

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"Quando, há uns dias, tomei conhecimento do “profundo acto de amor” que o dr. Encarnação dedicou a Coimbra - saiba-se, a sua recandidatura - lembrei-me de Álvaro de Campos. Bom, sejamos honestos, não foi exactamente assim. Lembrei-me primeiro de fazer uma rábula com aquela despropositada declaração. E apercebi-me, depois, que aquele heterónimo de Pessoa me dava jeito e que, ademais, me envolvia numa certa aura de erudição. Pois, adiante.(...)"

9.7.09


O blogue não fechou para férias. Eu é que fechei para balanço.

1.7.09

Por Coimbra Sempre...a mesma coisa.

Aproveito uma dica preciosa das meninas e transcrevo, abaixo, parte de uma entrevista do dr. Encarnação ao Jornal Universitário A Cabra, em 2005.

Disse há tempos que esta era a sua última candidatura à câmara. Mantém essa ideia?

Se Deus quiser, e assim será. Disse o que disse, sou partidário da limitação de mandatos, acho que por razões democráticas e de transparência, deve haver um número limitado de mandatos, em vez de ficar anos e anos e fazer parte da mobília da câmara. É a regra que defendo, e acho que devo dizer isso, para as pessoas não terem expectativas diferentes.

E se daqui a quatro anos houver um apelo forte da população para que se recandidate, admite reconsiderar?

Não reconsidero, e isso faz-me lembrar pessoas que dizem que não se recandidatam mas depois avançam. Fica-lhes tão mal e eu acho tão ridículo isso. É uma falha na credibilidade dos políticos e eu não sou assim. Nunca fui assim e não quero parecer outra coisa.