29.6.10

Vão sem mim


A última semana chegou com a caricata notícia de que podemos ver suspensas as obras do Metro Mondego. Por entre altercações mais ou menos envergonhadas, omissões estratégicas e meias respostas, ficámos sem saber se a dita obra está ou não em crise. E, ao que parece, continuamos a não saber.

Foi assim, ao longo dos últimos anos, com várias coisas em Coimbra. Uma ameaça velada e um ensaio de exaltação popular; sempre seguidos da consumação do sinistro e de uma cinzenta resignação, apenas pontuada, à mesa do café, por pragas ao Governo e loas aos “velhos tempos”, quando tinhamos “força” em Coimbra.

Na língua inglesa, utiliza-se a expressão “good girls go to heaven, bad girls go everywhere”, para exprimir a ideia de que o bom comportamento não leva a lado nenhum. O que equivale a dizer que há momentos em que é preciso dar um murro na mesa, por vezes, subir mesmo para cima da mesa, e gritar, gritar muito, para que nos ouçam. Este parece ser um desses momentos.

Sim, percebemos que a crise tem que ser combatida e que o mirífico PEC, (Programa de Estabilidade e Crescimento), ironicamente homónimo de um outro Pacto Europeu, impõe contenção e austeridade. Mas caso alguém pretenda comprometer o Metro Mondego em nome de um qualquer desígnio nacional, cá estaremos para averiguar, ponto por ponto, qual o valor financeiro da decisão, qual o seu impacto na redução do défice e quais os critérios de ponderação usados, no confronto com cada um dos investimentos públicos actualmente em curso, do Minho ao Algarve.

É que haverá muito mais para explicar se, por mero acaso, duas décadas volvidas, muitos estudos, promessas e conselhos de administração depois, o projecto Metro Mondego se transformar numa expressiva caricatura da irresponsabilidade do Estado.

Em Coimbra, aguardar pacientemente pelas informações oficiais, pelos fundamentos, pelas confirmações e posições definitivas, tem sido apenas um paliativo, sempre a conduzir à alienação, a uma miserável e deprimente apatia colectiva e ao total rebaixamento da cidade. Desta vez, não contam comigo. Ou, como dizia a canção, vão sem mim, que eu vou lá ter.

Hoje, no Jornal de Notícias.

22.6.10

A Alta em alta


Coimbra tem discutido, com recorrência, o seu Centro Histórico. Na origem, uma genuína preocupação com a salubridade das casas, com a sobrevivência do comércio, com a conservação de edifícios e monumentos, com a afeição histórico-cultural da cidade, talvez. Mas também, admita-se, uma certa agenda política, quando não político-partidária, que se alimenta de um tema clássico, para progredir, pé ante pé, no seu caminho. Nem sempre na posse dos dados todos do problema; nem sempre conhecedora, sequer, dos seus elementos essenciais; por vezes, limitando-se a reproduzir velhos clichés e desfocando, de modo radical, a questão. Sugere-se a ideia de que o “poder” – na autarquia, na administração central, na própria Universidade – logrará todas transformações necessárias, decretando a ressureição da Alta.

Ei-lo, um dos equívocos da democracia: votamos de quatro em quatro anos, os políticos que façam resto. Pouco ocorre que não caiba à política qualquer mediação com a divina providência.

No caso do Centro Histórico de Coimbra, não é a política que fará o essencial. E mesmo a reabilitação urbana, por si só, não produzirá as mudanças sociais, económicas e culturais necessárias. É a sociedade civil que, em boa medida, as ditará. E, a propósito, Coimbra parece ter boas razões para se animar.

Basta uma volta pelas Ruas do Quebra-Costas e Fernandes Tomás para perceber o que digo: o Mercado Quebra-Costas e o bar com o mesmo nome, a associação Arte à Parte, a Mau Feitio, o Fangas, a recém inaugurada Companhia Portugueza, são contributos muito significativos para a revivescência da Alta, nas suas várias dimensões. Mais do que à política – sem prejuízo de alguns, bons, projectos PRAUD – é aos cidadãos, à sua criatividade, ao seu empreendedorismo, que ficaremos a dever uma nova relação da cidade com o Centro Histórico. Pouco a pouco, a barbearia “O Carlos”, o mini-mercado Lopes, o café Oásis ou a mercearia Serenata parecem ter encontrado, afinal, a quem passar o testemunho.

16.6.10

Último suspiro


Solta-se um último suspiro na Ceres. A cinquentenária fábrica de cerâmica, em Torre de Vilela, prepara-se para a completa liquidação e para lançar no desemprego quase duas centenas de trabalhadores. Dir-se-á que é mais uma, apenas mais uma, de muitas fábricas a fechar. Dir-se-á, também, que como as outras, segue o caminho normal, desejável até, desde que as trombetas soaram para decretar a inexorável falência dos sectores tradicionais. Dir-se-á, ainda, que o emprego em Coimbra há-de encontrar-se, algures, entre uma repartição de finanças e um laboratório de partículas . É a voz corrente, em especial para os lados da 8 de Maio. Mas não é verdade.

A história da Ceres não se confunde com as outras, muitas outras infelizmente, que têm fechado nos últimos anos. A Ceres não é sequer um fábrica que tenha sucumbido, simplesmente. Pelo menos desde 2005 que a Ceres está, como diriam os antigos, entrevada. E a verdade é que talvez tenha chegado a hora de, finalmente, a deixarmos partir.

Sucede, no entanto, que ao contrário do que já li na imprensa, não estamos perante um caso de eutanásia industrial. Se quisermos ser sérios, nem o governo, nem o sindicato, poderão ser responsabilizados pelo ocaso da Ceres. A cerâmica de Torre de Vilela é, apesar de tudo, um exemplo de boa e esforçada concertação, quer do governo, quer do sindicato, com a administração da empresa, ao longo de mais de cinco anos. Malfadadamente, sem um final feliz.

Mas também não é verdade que a Ceres siga o caminho desejável, num tempo em que – com uma temporária concessão às vuvuzelas - parece faltar lugar para quem não se dedique a produzir foguetões ou comprimidos de libertação prolongada. Estender uma passadeira vermelha às chamadas indústrias com “elevada incorporação tecnológica” não implica, necessariamente, puxar o tapete aos sectores tradicionais. Desde logo, porque a incorporação tecnológica não se mede pelo produto final, mede-se antes pelo processo produtivo.

Finalmente, a ideia de que em Coimbra somos demasiado qualificados para meter as mãos no barro, carece, quer de sensatez, que de confirmação estatística. De sensatez, porque cada vez mais serão os empregos a escolher-nos, não o contrário. De confirmação estatística, porque o nosso superavit de qualificações – com especial incidência ao nível das humanidades – não será mais apelativo num laboratório de astrofísica do que no departamento de recursos humanos de uma fábrica de azulejos.

8.6.10

Portugal dos Pequenitos



Tento escrever com alguma graça, a propósito dos setenta anos do Portugal dos Pequenitos. Resistindo a contar uma velha história de infância; evitando um comentário sobre o Estado Novo; poupando a trocadilhos sobre a pequenez lusitana quem leia, ao menos, um parágrafo do que aqui escrevo. E resta-me pouco, quase nada, para dizer.

As coisas não são elas próprias e ponto final. Não existem, sem mais nada, como na canção. Os setenta anos do Portugal dos Pequenitos não assinalam, apenas, nem sobretudo, sete décadas de existência, pedra sobre pedra. A existência é sempre qualquer coisa “em relação”. E é por isso que não é possível evocar o parque lúdico-pedagógico fundado por Bissaya Barreto sem aludir à infância, sem convocar o passado, sem provocar o presente.

Porque o Portugal dos Pequenitos é, para milhões de pessoas, uma construção pessoal. À razão de 300 mil visitantes ano, falamos de milhões de crianças, também de pais e de avós, cada qual com uma memória distinta do dia em que avistou os Jerónimos a partir da Pátio das Escolas. Os últimos setenta anos são, pois, um somatório de dias, de horas, por vezes de instantes, gravados na biografia de cada um.

Porque o Portugal dos Pequenitos não deixa de ser, também, uma evocação do glorioso império ultramarino e uma alusão ao Portugal regionalista, também pequenino, simples, pitoresco, ambos tão do agrado do Estado Novo. Ambos a poderem ser contemplados do cimo da Cabra, conveniente maquete ao serviço da governação.

Porque o Portugal dos Pequenitos, se coloca Portugal em perspectiva, não deixa de o fazer, também, em relação a cada um de nós. É possível encontrar ali uma imagem depreciada do país e dali mesmo desfiar esconjuras várias à suposta pequenez nacional. Mas é possível, também, observar um povo que se agiganta sobre a pátria e lhe reserva, desse modo, um destino bem mais animador.

Em tempo de crise, vale a pena colocar as coisas em perspectiva. Talvez seja tempo de abandonar a constante caricatura do país, pelo menos enquanto não formos capazes de traçar um razoável retrato de nós próprios.

1.6.10

Pela positiva


Os jornais estão cheios de más notícias. Reflexo do país, dirão alguns. Luta desesperada pela maior quota de leitores, dirão outros. Ambas as coisas contribuem, julgo, para um país que se escreve a preto e branco e se vai desenhando, diariamente, em tons de cinza.

Em Coimbra não é diferente. Seja porque, de igual forma, se atravessam tempos severos, do ponto de vista comercial. Seja porque a insegurança, o definhamento industrial, a pobreza, merecem ser reflectidos pelas redacções e acabam por sê-lo, dia após dia. E, mesmo apesar da melíflua publicação de alguns eventos politico-sociais (o que também se compreende, em ambos os sentidos), acaba por gerar-se um ciclo de desânimo, que não levará a lado nenhum.

Há doutrinas distintas quanto à classificação da comunicação social como um quarto-poder ou como um contra-poder, mas ambas reconhecem a poderosa influência dos media no conjunto da sociedade e o seu concurso para o próprio desenvolvimento. Num certo sentido, se o discurso da tanga, na boca dos políticos, abala a economia; esse registo, como timbre editorial, não terá melhor resultado.

Se a isto acrescentarmos que os habituais comentadores, em cuja veste me coloco, tendem a sobrevalorizar os desaires, mais do que os sucessos, está criado um caldo de cultura perigoso, uma atmosfera de sinal negativo.

Assim, e em jeito de redenção, apetece-me saudar a distinção Silver Award, em Roterdão, dos designers portugueses Ana Boavida e João Bicker, do ateliê coimbrão Bicker e Associados, no âmbito do Festival Europeu de Design.

Pela positiva, apetece-me dizer que o Mercado Quebra Costas, em Coimbra, é uma das mais bem sucedidas iniciativas de cultura urbana dos últimos anos e merece a maior atenção de todos.

Pela positiva, apetece-me saudar a criação do Parque de Jogos Tradicionais Pinho Dinis da responsabilidade do Agrupamento de Escolas da Pedrulha.

Pela positiva, apetece-me elogiar o Ruben Alves e o trabalho que está a desenvolver no Real da Conchada, revelando-se um exemplo para a comunidade em redor.

Pela positiva, acho que os jornais de Coimbra deviam ter todos uma secção de “boas notícias”. Para consumo moderado, mas obrigatório.