23.5.11

Anjos e demónios


Quem quer fazer política em Portugal deve abdicar de falar português. Quando se é político tem que se falar uma outra língua: encriptada, reservada, ambígua, manipuladora, por vezes – um dialecto que Camões teria, decerto, a maior dificuldade em reconhecer. Ganha a política, ganharão os cidadãos, alguma coisa com isso? Creio que não. Mas essa é a condição primeira para que, na era das manchetes, dos twits, dos posts, se sobreviva ao juízo dos próprios cidadãos, mais ou menos mediado pela comunicação social. Ser claro sai caro e na maior parte dos casos, - veja-se a ironia – conduz à incompreensão.

Depois, queixam-se os cidadãos, queixam-se os comentadores, queixa-se uma parte dos partidos, do chamado empobrecimento do debate político ou da aparente indistinção dos discursos dos seus principais protagonistas. Pudera, quando criámos o caldo de cultura perfeito para que ninguém se sinta confortável a analisar o fundo das questões, procurando ser intelectualmente honesto e, enfim, dizer o que pensa. Só na reforma - temos vários exemplos disso – a maior parte dos políticos se dá ao luxo de o começar a fazer, sem reservas mentais, sem rodriguinhos, sem “se” “mas” “porém”.

A recente novela em torno das declarações de Ana Jorge, cabeça-de-lista do PS por Coimbra, a propósito do Metro Mondego, é disto um exemplo bastante impressivo. O essencial das suas declarações – a “prioridade é a conclusão das obras no Ramal da Lousã, para que num horizonte temporal de 2014 o troço Serpins (Lousã)-Parque (Coimbra) seja uma realidade” – passou logo para segundo plano quando referiu, por mero dever intelectual e sentido de responsabilidade, diferentes caminhos para um problema que, nas actuais circunstâncias, merece mais do que uma abordagem a preto e branco. Claro que a façanha lhe valeu, como era de prever, um verdadeiro chilique da oposição local, com grosserias à mistura, uma oposição que parece preferir narrar a política como se de um livro do Dan Brown, com anjos e demónios, se tratasse.

Sucede que para além da ficção, na crua realidade do país real, é preciso que se mantenham firmes aqueles que se recusam a fazer da política uma espécie de fado à desgarrada, onde vence quem se apresenta com a voz mais grossa e, por mais disparates que diga, consegue sempre a última palavra. É dessa massa – da dos que resistem à vulgaridade – que se fará a política do futuro. Se houver futuro.

17.5.11

Briosa


Os tempos que aí vêm prometem grandes mudanças. Na política e na economia, nos movimentos sociais, nos media. Não se sabe bem em que medida um país em agonia, sujeito à ajuda internacional, a sujeitar ele próprio milhares de pessoas ao desemprego e, pior ainda, à desesperança, poderá transformar-se e caminhar, num outro sentido. Mas o sentimento unânime é de que assim será. Não estou propriamente a falar das mudanças que poderão, ou não, estar a chegar, com as próximas eleições legislativas. Falo de mudanças profundas, de uma reflexão colectiva que mude a relação dos cidadãos com a sociedade, em todos os aspectos.

Neste particular, em Coimbra é costume dizer-se – e eu disse-o algumas vezes - que temos responsabilidades especiais. Porque somos melhores do que os outros? Não, certamente. Mas porque em várias coisas somos, fomos sempre, diferentes. E a diferença, fruto da irreverência, da rebeldia, da vontade de questionar todas as coisas, permitam a redundância, faz toda a diferença, Disso a Associação Académica de Coimbra é um exemplo particularmente expressivo. Na luta pela República e pela democracia, na defesa dos direitos humanos, na promoção da cultura, na semente de cidadania que lançou em gerações e gerações de jovens, na promoção do desporto. Sem que em nada disto se preocupasse em ser profissional, mais do que em ser verdadeiramente amadora. Amadora como quem ama tudo o que faz e lhe deposita paixão, mais do que calculismo e mercado.

Com altos e baixos, é certo, assim tem sido com a Associação Académica. Menos assim, devo dizer, no que respeita ao seu Organismo Autónomo de Futebol.

Porque a Académica não é só uma equipa de futebol. É uma representante da Academia de Coimbra no futebol profissional, como há dias me escrevia um amigo, sobressaltado com as eleições na Briosa, que estão para chegar. E assim, devendo transportar consigo a ambição de competir no relvado, não pode descartar a história e, sobretudo, o brio de quem representa uma casa de bons costumes, que deve procurar ser um exemplo, a todos os níveis.

Como também li numa entrevista recente do candidato à Direcção da Académica/OAF, António Maló de Abreu, falta Académica ao Organismo Autónomo de Futebol. Salvo melhor opinião, é esse mesmo o ponto. Isso, mais do que o barulho das luzes, há-de reconciliar Coimbra com a Briosa e, em certa medida, há de reconciliá-la consigo própria. Assim seja.

10.5.11

Ninhos, ovos e omeletas


Por estes dias lança-se um livro sobre empreendedorismo. Tem como autor o deputado social-democrata Pedro Saraiva, ex-Vice Reitor da Universidade de Coimbra. E leio na imprensa que o empreendedorismo é, de acordo com o autor, uma espécie de “antídoto para ultrapassar a crise económica”. Imagino que a obra vá além de eventuais recomendações sobre a posologia e o excipiente daquela estimável aspirina colectiva, até porque o autor tem capacidade e talento para mais do que isso. Mas ocorrem-me, desde já, alguns comentários sobre o tema.

Está na hora de deixarmos de achar que o empreendedorismo é uma coisa que se aprende nos livros. Toda a vida a capacidade de criar empresas, postos de trabalho e riqueza foi qualidade que dependeu de variáveis mais prosaicas, embora não menos respeitáveis. A necessidade, por vezes a fome e aquilo a que o povo sabiamente apelidou de “olho para o negócio” fizeram sempre mais pela economia do que qualquer tese sobre o assunto e, salvo melhor opinião, é assim que continuará a ser. Não há memória de que os pequenos e médios empresários deste país se tenham lançado no negócio inspirados por discursos sobre a “criação do próprio emprego” em toada épica ou à boleia de um daqueles livros para aprender a ganhar o primeiro milhão que encontramos nas livrarias, ao lado de cartazes com sujeitos envergando gravatas fuccia e em pose de Aladino do Nasdaq.

Criar e manter um negócio é, na maior parte dos casos, um caminho de sacrifício e superação, de tentativa e erro, de muitos fracassos e de algumas, por vezes escassas, glórias. É, por isso mesmo, um caminho que não é para todos. E não há discurso nenhum, livro nenhum, exemplo nenhum, capazes de mudar isso. Criaremos, talvez, mais empresas. Mas isso não será equivalente a criarmos mais empresários. A maior parte das empresas a la carte acabará por se extinguir à primeira contrariedade e o país não ganhará nada com isso. No limite, passar a mensagem de que todos podemos ser empresários – acordando o “jovem empreendedor” que há dentro de nós – provocará tanta ou mais frustração e pobreza como aquela que resulta do mero desemprego.

Dir-me-ão: há vários exemplos, designadamente nas Universidades e, em especial na Universidade de Coimbra, de como é possível fomentar o empreendedorismo, casá-lo com o saber académico e criar novas empresas que são um sucesso. Sim, é verdade. Mas será um bom começo se começarmos por interiorizar que essas iniciativas, sendo bons (e indispensáveis!) ninhos, dificilmente chegarão a ser ovos. E é com ovos que se fazem omeletas.

3.5.11

Verdade e consequência

Há um tempo atrás, neste mesmo espaço, pronunciei-me sobre a saída da professora Helena Freitas da liderança da bancada municipal do PS em Coimbra. Fi-lo, sobretudo, por duas razões. Porque importava valorizar e reconhecer o trabalho que vinha desenvolvendo, em representação do Partido Socialista e na defesa dos superiores interesses de Coimbra; e porque me pareceu relevante, à data, sublinhar a necessidade de ponderar, devidamente, a sua substituição no lugar. Um partido como o PS não deve contentar-se com menos do que os melhores para, em seu nome, o representarem e transportarem a sua palavra, junto dos eleitores. Não estou arrependido de o ter feito.

Hoje, certamente sem que nenhuma relevância tenha tido o que escrevi naquela altura, observo que ao lugar anteriormente ocupado pela professora Helena Freitas chega, agora, o meu camarada Luis Marinho. Ponderadamente – e bem – o PS soube resistir à tentação de optar, naquela sede, em nome de quaisquer interesses que não fossem o de se ver bem representado e de se prestigiar, assim, junto da opinião pública. É falacioso, para dizer melhor, é errado e perverso, que se diga que todos os deputados municipais poderiam representar, igualmente, o colectivo. A cada um de acordo com as suas necessidades, a cada um de acordo com as suas capacidades, creio ser uma boa filosofia.

Agora, para que o ciclo virtuoso se mantenha e renove, bastará apenas que o eleito saiba – como decerto saberá – honrar os seus pares e defender com a inteligência, brilho e desassombro que lhe são reconhecidos, os interesses de Coimbra e as bandeiras do PS, em homenagem à democracia que a Assembleia Municipal, enquanto órgão autárquico de superior relevância, deverá reclamar, a cada momento.

Haverá, certamente, quem estranhe estas minhas palavras, por não as considerar, talvez, consentâneas com as divergências políticas que, na vida interna do PS e em certos momentos, mantive com o agora líder da bancada municipal do PS em Coimbra. A esses quero adiantar que me preocupa ser consentâneo, sobretudo, com aquilo em que acredito. E que me importa ser coerente, retirando consequências, de tudo o que vou escrevendo.

Acho que o país e a cidade de Coimbra estão demasiado cansados de quem não consegue ver para além de pequenas - tantas vezes mesquinhas - querelas partidárias. Fartos, talvez, de quem só consiga observar a realidade quando filtrada pelas suas particulares contingências e singulares aspirações.