8.6.10

Portugal dos Pequenitos



Tento escrever com alguma graça, a propósito dos setenta anos do Portugal dos Pequenitos. Resistindo a contar uma velha história de infância; evitando um comentário sobre o Estado Novo; poupando a trocadilhos sobre a pequenez lusitana quem leia, ao menos, um parágrafo do que aqui escrevo. E resta-me pouco, quase nada, para dizer.

As coisas não são elas próprias e ponto final. Não existem, sem mais nada, como na canção. Os setenta anos do Portugal dos Pequenitos não assinalam, apenas, nem sobretudo, sete décadas de existência, pedra sobre pedra. A existência é sempre qualquer coisa “em relação”. E é por isso que não é possível evocar o parque lúdico-pedagógico fundado por Bissaya Barreto sem aludir à infância, sem convocar o passado, sem provocar o presente.

Porque o Portugal dos Pequenitos é, para milhões de pessoas, uma construção pessoal. À razão de 300 mil visitantes ano, falamos de milhões de crianças, também de pais e de avós, cada qual com uma memória distinta do dia em que avistou os Jerónimos a partir da Pátio das Escolas. Os últimos setenta anos são, pois, um somatório de dias, de horas, por vezes de instantes, gravados na biografia de cada um.

Porque o Portugal dos Pequenitos não deixa de ser, também, uma evocação do glorioso império ultramarino e uma alusão ao Portugal regionalista, também pequenino, simples, pitoresco, ambos tão do agrado do Estado Novo. Ambos a poderem ser contemplados do cimo da Cabra, conveniente maquete ao serviço da governação.

Porque o Portugal dos Pequenitos, se coloca Portugal em perspectiva, não deixa de o fazer, também, em relação a cada um de nós. É possível encontrar ali uma imagem depreciada do país e dali mesmo desfiar esconjuras várias à suposta pequenez nacional. Mas é possível, também, observar um povo que se agiganta sobre a pátria e lhe reserva, desse modo, um destino bem mais animador.

Em tempo de crise, vale a pena colocar as coisas em perspectiva. Talvez seja tempo de abandonar a constante caricatura do país, pelo menos enquanto não formos capazes de traçar um razoável retrato de nós próprios.