12.1.10

Um outro mundo é possível


Não é genial a afirmação de que um partido deve reflectir a vontade dos seus militantes. Na melhor das hipóteses, oblitera que a adesão partidária impõe já uma certa conformação ideológica, limitadora da “soberana” vontade de quem o compõe; na pior delas, desbrava o perigoso caminho da prepotência das maiorias que, se devem ser respeitadas, é duvidoso merecerem grande sacralização. Não sendo, pois, uma afirmação genial, nem por isso deve deixar de ser repetida. Um partido deve reflectir a vontade dos seus militantes, sim. Mas dos militantes todos. E é aí que começa o problema.

É muito comum achar-se que a democracia é uma forma de legitimação do poder pela maioria. É menos comum perceber-se que a democracia, ela própria, deve, não apenas catalisar o aparecimento de várias correntes de opinião, mas também dar expressão aos anseios de cada uma delas, como parte de uma realidade plural e em permanente mutação. Não admira – é mais fácil gerir uma facção do que um partido inteiro. E é mais fácil manter uma facção por sobre a aniquilação moral das restantes.

Em Coimbra, nos últimos anos, o Partido Socialista tem-se demitido de ser um partido inteiro. Em certo sentido, deixou-se sequestrar por divisionismos redutores. E, pelo caminho, traiu a sua própria natureza. Na história do PS Coimbra, houve um dia de menor inspiração em que alguém se lembrou de dizer que o PS se dividia entre a “gente que pensa” e a “gente que faz”. E a partir desse dia, o PS Coimbra passou a distrair-se com esse folhetim, mais do que com a política, propriamente dita.

Por mim, creio que o PS, no Concelho de Coimbra, deve afirmar-se como um “partido que faz”, um partido “de terreno”, já que nenhuma organização sobrevive sem decisões, sem mangas arregaçadas e sem proximidade entre quem lidera e o conjunto dos seus militantes. Mas isso não significa que o PS, no Concelho de Coimbra, não deva ser também um “partido que pensa”, na perspectiva de que a reflexão, a análise, a espessura do discurso político são condição da sua sobrevivência enquanto instituição credível, fiel aos seus princípios estruturantes e propulsora da sociedade como um todo. Por outro lado, achar-se que “quem faz não pensa” e que “quem pensa não faz” é, essencialmente, um preconceito.

Dissociar estas duas realidades implica, ou uma grande dose de ignorância – o que é lamentável – ou uma certa queda para a manipulação – o que é perigoso.

Em todo o caso, enquanto o “partido que faz” pretender aniquilar o “partido que pensa”, e vice-versa, estaremos sempre condenados a um partido que “pensa que faz” ou a um “partido que faz que pensa”. Um outro mundo é possível!