23.11.10

De calças na mão


Comovido, li as declarações do vice-presidente e responsável financeiro da Câmara de Coimbra, publicadas na última edição do semanário Expresso. Instado sobre quais as medidas que a autarquia havia tomado, para poupar em tempo de crise, o edil puxou dos galões e revelou, com gravidade: centralizámos a impressão de cópias e rumámos para a digitalização de processos. Ainda não refeito, dei por mim a pensar no privilégio que é poder contar com a disponibilidade de gestores tão criativos, na administração das contas públicas. E pensei também: ainda que nem todos – como em Coimbra – possam contar nas suas fileiras com performances deste gabarito, pelo menos, conforta-me pensar que todos, nas restantes autarquias, nas empresas públicas e no país, possam beber do seu inspirador exemplo.

Que bom seria se, seguindo a lição coimbrã, outras autarquias resolvessem tomar medidas daquele fôlego. Se os gestores de algumas empresas públicas fossem capazes de alcançar uma tão extraordinária eficiência. Se ao governo ocorresse semelhante arrojo.

Imagine-se que em S. Bento deixava de haver croissants para o pequeno-almoço e os comensais se bastavam com pão saloio. Imagine-se que, nas empresas públicas, acabavam as reuniões-almoço e se começava a tratar de assuntos sérios em redor de uma mesa de trabalho, com uma folha de papel A4 e uma caneta Bic. Não havia FMI que nos parasse.

Para dizer a verdade, o grave não é que se tomem medidas como a da “centralização de cópias” que, aliás, devia ser norma há pelo menos uma década. Não cabe na cabeça de ninguém que cada um imprima a bel prazer, em dezenas de impressoras jacto de tinta, como é costume acontecer e como, pelos vistos, só deixou de acontecer em Coimbra há alguns meses. O problema é que se tenha o desplante de apresentar estas coisas como paradigmáticas e tonitruantes medidas de combate à crise.

Lamentavelmente, a resposta do vice-presidente da Câmara de Coimbra – pessoa que considero e que só distraidamente terá dito semelhante coisa – é sintomática de uma certa filosofia de gestão, no sector público, que confunde razoabilidade com racionalidade. E que vai passando impune, nas páginas dos jornais, no bas fond dos gabinetes, na intelligentia dos partidos políticos. Em tempos de crise, exige-se mais do que mera razoabilidade na gestão diária. Exige-se uma verdadeira racionalidade, coisa que a maior parte dos nossos “gestores” públicos não alcança, de todo.

O que me preocupa no meio disto é que, enquanto pede aos cidadãos para apertar o cinto, uma parte dos mandantes se limite, apenas, a trocar de calças. Está visto que podemos esperar sentados pelo dia em que, também esses, apertarão o cinto. Não que falte muito (até acho que não falta), mas porque essa será a posição mais confortável quando já estivermos todos de calças na mão.