20.1.09

Capital da saúde



Não sei se quando, há quinze anos, o professor Linhares Furtado realizou o primeiro transplante hepático pediátrico em Portugal, Coimbra já se havia proclamado capital da Saúde. Mas foi-o, nesse dia, mais do que em muitos outros, ao longo dos anos que se seguiram.


Nesse dia frio de Janeiro, corria o ano de 1993, o Paulo, um miúdo de oito anos, pôde finalmente voltar a ser um miúdo de oitos anos, sendo o primeiro antes de muitos e, claro, o primeiro depois de mais que muitos.

O problema de alguns títulos - como o de capital da saúde - é quando tendem a transformar-se num mero epitáfio, depois do qual não acontece mais nada. E é por isso, também, que considero irrelevante se éramos ou não “capital” naquele 15 de Janeiro que, definitivamente, mudou a vida de muitos miúdos.

Para além de uma identidade histórico-formal - onde cabem o imaginário académico, a insubmissão cultural, o antifascismo, o fado, a medicina - Coimbra deve-se afirmar pela sua identidade substantiva, o que depende, largamente, dos seus feitos presentes e futuros, da sua criatividade, em especial, da sua capacidade de surpreender os outros.
E na área da saúde, que para além de um recurso médico-científico é, sobretudo, um bem público essencial, factor de desenvolvimento humano e condição da própria democracia, Coimbra tem fundadas expectativas de liderança. Sendo muito legítimo, e desejável, que avance nesse sentido.
Sucede que, para além dos “recursos naturais” de que dispõe no âmbito da prestação de cuidados, compreensivamente “mobilizadores”, Coimbra deve assumir o desafio, que é também responsabilidade, de marcar posição quanto ao próprio desenvolvimento do sistema de saúde em Portugal.


Coimbra tem, claramente, recursos para se constituir como fórum de reflexão multidisciplinar, como um verdadeiro observatório no contexto das reformas, na área da saúde, que vêm sendo implementadas um pouco por todo o mundo. Uma reflexão que, decisivamente, interpela os modelos clássicos neste domínio e o sensível quadro de relações entre a sociedade e o Estado. Isto numa atmosfera tendencialmente regulatória que, colocando em crise conceitos como equidade, qualidade e eficiência, testa quotidianamente o músculo do próprio Estado-Providência.

Para a “capital da saúde”, democrática e socialmente comprometida, não compreender a dimensão deste desafio seria imperdoável. Escusar-se a aceitá-lo seria, verdadeiramente, um pecado. Capital.