27.1.09

O tempo dos genéricos


As “bandeiras políticas” valem o que valem. “Animam” as campanhas, “distinguem” os programas eleitorais, afinam o perfil dos candidatos, normalizam o argumentário das “bases” . Mas também remetem para simplificações excessivas, dicotomias forçadas, arrebatamentos cegos, na medida em que contêm em si, por exemplo, ilusões como a de a política ser uma coisa “gira” ou a de que o seu exercício está ao alcance de todos. Não é verdade.

A política, na complexidade que encerra, na responsabilidade que convoca, na disponibilidade a que obriga, na exposição que sempre impõe, é uma grande chatice. Não é gira, nem essencialmente forjada na paixão. E raramente é compatível com as mensagens directas e luzentes que, por norma, são a veste das tais “bandeiras políticas”.

Mesmo o exemplo do presidente Obama, que à primeira vista contradiz este meu juízo, merece uma aproximação mais lúcida.

Todos gostaríamos de acreditar que o discurso, a elegância, o brilho, a família perfeita, o ar decidido, a juventude (?), provêm de uma única e sagrada conjugação astral, que depositou naquele homem todas as qualidades do mundo e o habilitou a reformar a história da humanidade.


Mas, por muito que gostássemos de acreditar nisso, a verdade é que, lá no fundo, sabemos que o “factor Obama” é uma conjugação mais terrena.

Por cada meia hora do “factor Obama”, tal qual o conhecemos, há dias, semanas, meses, de preparação exaustiva. E julgo-me em condições de garantir que, no essencial, uma preparação esforçada, meticulosa, desgastante, ansiosa, e não isenta, claro, do lado mais lunar da política.

Há meia dúzia de anos, a transposição para a agenda política nacional do que foi a “Agenda de Lisboa” - que deu, sucessivamente, pelos nomes de “choque”, primeiro, e “plano”, depois, ambos “tecnológicos”- arrebatou a sociedade portuguesa, como aliás se esperava que fizesse uma “bandeira política” de tão lustrosa envergadura. E de Coimbra, há muito anunciada “capital do conhecimento”, esperou-se que retomasse o fulgor, tirando partido do que seria a sua vocação natural. Não aconteceu.

Agora, não estou certo de que a bandeira tecnológica tenha, por si só, aptidão moral para mobilizar a cidade. Aos olhos de um povo cansado, desiludido e assustado, o refluxo de uma bandeira demasiado adiada merecerá óbvias resistências.

E nestes tempos incertos, creio que se estão a gerar condições para que Coimbra se centre mais no princípio activo de alguns remédios, do que na embalagem que lhes possa vir associada.

Creio, arrisco crer, que findou o tempo de algumas bandeiras vazias, de algumas ideias genéricas. Embora se aproxime, para quem quiser ver, o que talvez possamos chamar, na política, o tempo dos genéricos.

Hoje no JN.