27.7.10

Um falso obituário



Uma reportagem recente do suplemento Ípsilon, no jornal Público, abre com a frase “Coimbra não sabe para onde vai – e por isso não vai a lado nenhum”. Não traz nada de novo, o escrito. Seja pela narrativa; seja pelo estilo; seja apenas pelo teor. Numa pretensa pele de visitante, alguém escreve sobre a cultura coimbrã, apressadamente, para chegar, por fim, ao princípio. De facto, se o texto abre com a tirada do “não vai a lado nenhum”, fecha com um afirmativo “ponto final”. Uma sentença, grave, solene, de morte.

São poucos os verdadeiramente livres naquilo que pensam, escrevem e dizem. A maior parte de nós parte da conclusão para construir um arrazoado que a legitime. É isso, afinal, que eu próprio faço, habitualmente. É o que faz a maior parte dos mortais. E é o que fez a responsável pela reportagem do Público.

Nada de estranhar. Não tivéssemos nós um punhado de certezas para esgrimir nesta vida e a incerteza remeter-nos-ia sempre para a lucidez da loucura. Mas adiante.

Pretende, pois, a reportagem, o que se pretende de costume: que Coimbra parou no tempo e que a ampulheta, simplesmente, se partiu. Daí em diante, tudo o que se faz é uma espécie de ficção local, como que um epitáfio, já fora da história. Coimbra acaba por ser retratada como um doente terminal e ao que de bom se vai fazendo – também na cultura – dá-se glórias de paliativo.

Reacções – muitas – nas redes sociais e blogues da cidade, há-as para todos os gostos. De um lado, a incontida revolta, perante o que se considera uma peça jornalística preconceituosa, ansiosa por provar que em Coimbra não se passa nada; do outro, os que lhe encontram ainda um sentido pedagógico, um convite à contrição que não fará mal nenhum, quer aos agentes culturais, quer aos poderes públicos. Num certo sentido, uns e outros, terão razão. Mas interessa pouco que continuem a falar, uns para os outros.

Se a reportagem do Público faz lembrar um daqueles falsos obituários, a antevisão da morte tem quase sempre o condão de nos fazer sonhar com o que falta fazer. Ponto final? Não, reticências.