29.3.11

Entre a ferrugem e a sebenta


Milhões de fundos comunitários depois, gastos no que em "europez" se chama a "qualificação", ou o "potencial humano" ou, se quiserem, a "sociedade do conhecimento", Portugal descobriu que tem que começar a produzir e a exportar. Talvez seja mesmo essa a única saída - e talvez devêssemos ter pensado nisso antes - mas facto é que, se agora temos que andar às ordens da senhora Merkel para aguentar a vidinha, foi exactamente por termos feito o que a Europa (o mesmo é dizer a Alemanha, que agora nos recrimina) nos mandou fazer: fechar as fábricas e especializar uma geração inteira em powerpoints.

Nisso, em Portugal, uns foram melhores alunos do que outros. Mas, à distância de umas décadas, podemos também dizer, com relativa segurança, que quem se safou melhor foram, afinal, os piores da turma. Os que, teimosamente, foram resistindo a fechar as fábricas, desconfiando - mais por instinto do que por outra coisa - de quem lhes dizia que, um dia, viveríamos todos bem a fazer uploads de "ideias" na world wide web, em vez de despacharmos contentores de sapatos para o estrangeiro.

Coimbra, na equação que a Europa nos preparou - a mesma que veio a sublimar-se, por ironia, na chamada "Agenda de Lisboa" - contava com o domínio da principal variável. E, com efeito, como não sonhar um futuro próspero, em plena sociedade do conhecimento, para aquela que em Portugal se reconhecia como a capital do dito cujo? Fecharam-se, pois, as fábricas, ano após ano, uma por uma, até fecharem todas. Fecharam-se com um sorriso nos lábios, já que insistir na ferrugem seria sinal de uma rudeza em que uma certa Coimbra se não reconhecia. Foi assim - mais coisa menos coisa - que chegámos onde chegámos. E agora, se, no país, retomar a produção e a remessa de mercadorias para o exterior é uma visão longínqua, em Coimbra, esse cenário assemelha-se mais a uma miragem.

A vantagem do momento que atravessamos é, porém, a de que, se no passado, Coimbra tinha que escolher entre a ferrugem e a sebenta, actualmente, não terá escolha possível e a verdade é que precisa mesmo de viver com ambas. As chaminés das fábricas - se as conseguirmos de volta - terão que voltar a fumegar, lado a lado, com a moleirinha dos lentes. Tenho para mim que não haverá mal nenhum nisso e, entre a ferrugem e a sebenta, talvez Coimbra encontre, finalmente, a sua própria agenda. Que já não a de Bruxelas. Que não, seguramente, a agenda de Lisboa.