Não é novidade para ninguém. Coimbra, adiada “capital da cultura”, tem um problema com a cultura. Ou vários. Mas vamos por partes.
Quando se discute a “cultura”de Coimbra está-se a discutir, sobretudo, a existência ou inexistência de uma política cultural na cidade. Não está em causa a “honra” da cidade enquanto sujeito histórico-cultural e não está em causa, claro, o grau de “erudição” dos conimbricenses.
Mas são estas duas coisas, as que não estão em causa, que precisamente põem em causa uma discussão lúcida a este propósito.
Quanto à “honra” da cidade, Coimbra perde a cabeça de cada vez que a questão cultural é posta em cima da mesa. A “estatura cultural” da cidade é uma espécie de direito adquirido. Corresponde a uma certificação histórica, a uma consagração reverencial. Confunde-se com a sua própria identidade. Semelhante “estatura” não merece, pois, e não compreende, os “ataques” a que vai sendo sujeita, reclamando que se lhe vergue o mundo, um mundo “petulante” que, muitas vezes, despreza.
Quanto à “erudição” dos conimbricenses, a coisa tem contornos de maior requinte. Por um lado, com homenagens e flores, disciplina-se a gente “erudita”, contextualmente resignada, que claramente não percebe, ou não quer perceber, que patrocina uma farsa. Por outro lado, em contradição apenas aparente, ergue-se a bandeira da cultura “popular” e alimenta-se uma guerra “contra os eruditos”, mesquinha, como todas as guerras, diga-se, aliás.
Mas neste particular, a contradição entre a “defesa” dos eruditos e a “exaltação” dos populares é, como já se disse, apenas aparente.
Dar sustento a esta guerra parte de uma mesma filiação reaccionária, que ignora a cultura como direito humano e ignora, igualmente, a sua promoção, livre de preconceitos, como um dever social. A cultura, como direito de todos - e como responsabilidade pública - inquieta-se com este tipo de manipulações. Simplesmente, porque lhe interessa o progresso, a igualdade entre os homens e a sua dignidade.
Não pode, por isso, estar em causa que a cultura de Coimbra seja uma prerrogativa de erudição ou, em alternativa, uma afirmação popular. A política cultural deve abrir as portas do mundo, de todo o mundo, aos homens, a todos os homens. Não lhes pode reservar, apenas, um esgar recortado, pelo buraco da fechadura. E isso, sim, seria uma desonra.
Hoje, no JN.