16.4.09

Uma cidade a bold


Quando vejo maquinaria pesada a estender alcatrão pelas ruas, uns meses antes das eleições, há uma parte de mim que aplaude e há outra que se envergonha. Pode até ser que uma convergência rara de circunstâncias, uma coincidência, tenha aprazado a empreitada para um tempo tão fecundo. Mas não me sai da cabeça a hipótese de alguém se ter posto a empreender sobre a vulnerabilidade do povo a umas baldadas de massa preta. O que, aliás, dá uma bela imagem do enegrecimento a que a democracia vai sendo sujeita.

A verdade é que, no distinto critério de alguns, não há buraco nem rombo que o alcatrão não resolva. O que, sendo de alguma rudeza, nem por isso deixa de inspirar vultuosas figuras do regime.

É curioso observar que são poucos, muito poucos, os políticos que se mantêm ao abrigo das piores tentações democráticas. E que são muitos, mesmo no seio de alguma fidalguia, os que não resistem ao populismo raso, na hora fatídica de contabilizar mais uns votos. Coimbra e o Marco de Canaveses cruzam-se, mais vezes do que parece, nas encruzilhadas do regime.

Sobre as ruas da minha cidade, um manto negro vai sendo estendido, semana após semana. E, sobre todas as coisas, o alcatrão acabará, de novo, por se impor. Coimbra será, pois, asfaltada, criteriosamente asfaltada, para que, na volta do correio, uma passadeira vermelha se estenda, aos mesmos pés de sempre. Sendo trágico como em sucessivos mandatos se ensaiam doutrinas sobre o progresso “estrutural” da cidade, para, à beira de eleições, todas as teses se convolarem numa ânsia repartida entre uma dúzia de tabernas e um par de empreitadas menores.

Em Coimbra, os caminhos estarão sempre impecáveis, ainda que ninguém saiba onde nos levam. É uma concepção cosmética da política, como há dias bem lembrava uma conhecida organização de juventude. É uma cidade bipolar, emocionalmente fragmentada, cujos humores oscilam numa cadência pueril, entre a excitação e uma tremenda nostalgia. Como o alcatrão, que sempre se derrete.
Quando, enfim, as eleições chegarem, Coimbra será, toda ela, uma cidade a bold. O que, dependendo dos juízos, traduzirá a sua, ora destacada, ora enlutada, existência.
Hoje, no JN.