5.5.09

Ponte Santa Europa

Perante esta notícia, permito-me postar crónica publicada no Jornal de Notícias a 05/08/2008 e que, suponho, ninguém leu... Silêncios e euforias, como sempre.


SILÊNCIOS E EUFORIAS

O processo “Ponte Europa” voltou aos escaparates porque “a culpa não pode morrer solteira”. Em reacção, todos os partidos entendem que as averiguações devem ser levadas “até às últimas consequências”. Em nome da “transparência”, claro. Observo que a agenda política é marcada, sobretudo, por um ciclo bizantino de silêncios e euforias. De permeio, persistem apenas as trivialidades do costume.

Recordo – porque, pelos vistos, não se recorda mais ninguém – que a Assembleia da República recebeu em 2003 uma petição subscrita por mais de quatro mil cidadãos de Coimbra e promovida por um grupo de “jovens” militantes do Partido Socialista. Uma iniciativa que, “nos termos da lei”, levaria à discussão em plenário das razões subjacentes ao incompreensível atraso da obra e à derrapagem financeira que se conhece. Não consta que o plenário tenha promovido alguma discussão a este respeito, tendo ficado para a História, apenas, uma “foto de família” com o Dr. Mota Amaral e uma audiência para esclarecimentos complementares, meses ou anos depois – já nem sei – “em sede de Comissão”.

Desta audiência vem-me à memória, do lado dos deputados, o ar circunspecto, o fastio e a gravidade das perguntas numa cadência ritual; e do lado dos inquiridos confesso, sobretudo, a excitação quase adolescente de quem transpunha, com algum atrevimento, as “convenções do sistema”. Foram, numa perspectiva pessoal, grandes tempos. Mas convenhamos, ficaram por isso mesmo as solenes “últimas consequências” do assunto.

Agora, tantos anos depois, temo que a Ponte a que toda a gente chama Europa mas que o capricho resolveu alcunhar de Rainha Santa se torne pouco mais do que um fetiche da moralização do Estado. Mas o ciclo bizantino dos silêncios e das euforias faz-me acreditar que o tempo acaba sempre por dar razão às causas justas. Ou talvez não.