Quem vem e atravessa o rio pela Ponte de Santa Clara, vindo do Largo da Portagem, tem muito que penar até conseguir ver o velho, velhíssimo, casario que circunda o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha. Não perde grande coisa, apenas mais um exemplo de como as fachadas escondem, frequentemente, grandes vergonhas; ou a revelação de que o desmazelo, por vezes, chega ao ponto de nem esconder coisa nenhuma. Mas não é isso que importa. Já peguei no assunto e também já percebi que, como a maior parte das grandes questões coimbrãs, também esta se resume a um folhetim instantâneo, que se apagou volvido o primeiro par de dias. Paciência.
Interessa-me caracterizar o calvário que se estende desde a saída da Ponte, creio que de Santa Clara - por estas bandas nunca se sabe bem o nome das pontes - até chegar, finalmente, às imediações do Mosteiro. Em Coimbra, é costume contar-se que há um prédio que galgou doze pisos, em plena baixa, graças à miopia municipal. Pois bem, quem ordenou o trânsito, desde a Ponte de Santa Clara, em torno do Estádio Universitário e até ao Mosteiro, só podia ser cego.
Um míope grave perceberia que um cruzamento daqueles, no fim de uma ponte, é um erro infantil. Qualquer octogenário, acometido por severas cataratas, intuiria o disparate de transformar o Estádio Universitário numa rotunda. E duvido que, mesmo o Perna de Pau, aquele pirata zarolho da Olá, não percebesse que encaminhar milhares de automóveis para o portão de uma escola é uma tremenda irresponsabilidade.
Pois bem, hoje, o regresso a casa de quem mora na margem esquerda é comparável ao de quem tem a bênção de residir em Massamá. O risco de atropelamento, insustentável, a que estão sujeitos os alunos da Escola Manuel da Silva Gaio, não augura boas notícias. E os duzentos metros que medeiam entre a Portagem e o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha chegam a fazer-se numa hora.
Para ficar tudo dito, falta apenas dizer que o sinistro foi coroado por um viaduto feio, confuso e sombrio. Mas sobretudo submisso. Parecendo beijar os respeitáveis pés do Fórum Coimbra e acabando por ser, afinal, uma sublime alegoria do regime.