10.3.09

Mudar Coimbra para mudar


A democracia é o governo da maioria. Respeitando as minorais, sujeitando-se a contrapesos e controlos, é certo, mas suponho que esta ideia de governo de acordo com a vontade maioritária do povo é, em termos empíricos, o que mais caracteriza o regime. E ainda bem que sim.

Não creio, porém, que a intenção inicial fosse sequestrar as ideias, fazê-las reféns de um pré-juizo redutor, vergando-as a um presumível potencial de adesão maioritária. Mas observo que foi aí, no final de contas, que chegámos. Nos tempos que correm, raramente as ideias são sujeitas ao juízo popular. Ou porque não são novas - e o juízo está feito - ou porque já foram testadas, no bas fond das sondagens, uma espécie perversa de primárias.

Não há espaço, portanto, para grandes invenções. E não há, sobretudo, espaço para debater seja o que for.

Se as ideias fossem lançadas para a opinião pública, apenas de acordo com a convicção dos seus autores, a democracia seria, porventura, mais estimulante. Caberia a cada um bater-se por aquilo em que acredita, convencer os outros da bondade dos seus propósitos. Mesmo que não fosse fácil. O mundo avançaria mais e melhor.

Mas o que acontece, na verdade, é que as ideias só se apresentam quando não há “nada para discutir”. O que significa, então, que vêem a luz do dia apenas quando se crê que a sociedade não lhes oferecerá grande “resistência”. Subtraídas de qualquer força criadora. Não se muda para mudar. Muda-se, afinal, para ficar tudo na mesma.

É nisto que penso de cada vez que me ponho a “inventar” sobre Coimbra. E foi nisto que pensei quando, recentemente, me ocorreu a ideia de um banho de cor na fachada histórica da cidade, entre a Universidade e a Portagem. Talvez sob a orientação de um arquitecto reconhecido, porque não pintar de fresco, mudar mesmo, aquele velho postal?

Aparentemente, uma iniciativa deste tipo apenas sublimaria a tendência cosmética a que o regime também parece submetido, mas creio que o potencial de provocação, de desassombro a que faz apelo, despertaria esta nossa terra viúva, esta terra de negra saudade. Seria, talvez, um “pequeno passo” (inquietante, raso, pífio até) para muitas das nossas “forças vivas”, mas um enorme sobressalto para um debate urgente, incontornável, sobre a identidade coimbrã. E uma janela aberta sobre o futuro.

Recordo a Casa da Música, no Porto ou o CCB em Lisboa , como exemplos da força criadora de uma boa controvérsia. Acrescento a iniciativa da Société d’Exploitation de la Tour Eiffel, assinalando os 120 anos do monumento em 2009, que construirá um novo deck de observação, executado em kevlar, conectores de aço e teia de metal, assinado pelo atelier do arquitecto francês David Serero. Muito longe de ser consensual.

Não pretendo sustentar que uma espécie de peeling urbano possa salvar a cidade, mas também não vamos lá, definitivamente, com os atavismos do costume.

Hoje, no JN.