18.3.09

Tabernas


A câmara de Coimbra propôs-se criar uma “Rota das Tabernas” na cidade, para consumo turístico e afirmação histórico-cultural, com direito a certificação administrativa. Sendo esta, de facto, mesmo no notável contexto da sua acção autárquica, uma medida de grande expressão e, devo reconhecê-lo, uma encantadora “obra de regime”.

Aqueles que, como eu, gostam de carapaus com molho à espanhola, não deixarão de me acompanhar no entusiasmo com que observo esta recente ambição. Os “comes e bebes” são, definitivamente, uma causa agregadora. E ademais, erigir uma “Rota das Tabernas” sobre os escombros de uma cidade deprimida, denota um sentido de oportunidade que não é, totalmente, desprezível.

Creio, aliás, que os dois argumentos - um estritamente gastronómico e outro mais no domínio da psicoterapia social - terão sido decisivos no acolhimento que a ideia acabou por ter, logo muito difundida pelos media. Coimbra volta a marcar a agenda e a afirmar-se pelas suas peculiares características. E o país, certamente, observa-nos com expectativa e admiração. Alguma inveja, suponho, também, por sermos primeiros a retomar o “copo de três” e as suas propriedades no suavizar da crise.

As almas menos avisadas terão sido persuadidas de que Coimbra subsistia, estranhamente, a coberto do desemprego. Franquear a porta às tabernas seria, pois, uma mais que merecida celebração colectiva. O tipo de celebração que justificaria, no mínimo, “meia” de iscas, uma côdea de pão e uma pucheira de tinto.

Pelo contrário, Coimbra responde à crise, uma crise muitíssimo anterior ao “subprime” e aos “mercados financeiros”, precisamente, com a “Rota das Tabernas“. Não se lhe conhecem, francamente, outras medidas de tanto alcance. O que é, para além das loas que já se teceram, um acto de superior coerência.

De facto, as “tradições de outrora” são o terreno mais fecundo da “reacção” Coimbrã. Coimbra tem persistido em “reagir” às suas crises com alqueires de tradição e almudes de história. O que vai bem, devo reconhecer, com o “legado geracional de incontestado pendor histórico”que são, afinal, as tabernas.

Temo, porém, que encostar a barriga da cidade a um balcão e deixá-la por ali a marinar, em molho de escabeche, sob a imagem da Rainha Santa, peque por moderada ambição. Fica-lhe a faltar, talvez, uma travessa de moelas.


Ontem, no JN.