“Não me sinto digno de ser doutor”. A frase vinha com destaque numa edição recente do Jornal de Notícias e ganha eloquente expressão por ser da autoria de José Mourinho. Doutorado “honoris causa” pela Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa, Mourinho afirmou que não quer ser chamado doutor e que o galardão - “uma dos maiores orgulhos das sua inquieta humanidade” - lhe traz “maiores responsabilidades”.
Aquele que é, provavelmente, um dos treinadores mais aclamados de todos os tempos, não hesita em afirmar-se um “special one”, mas revela desconforto, prudência, humildade até, quanto à possibilidade de lhe chamarem doutor.
Pois claro. Ser um extraordinário treinador, pretendido pelos melhor clubes do mundo, um exemplo de sucesso e profissionalismo permite vê-lo como alguém especial. Mas não suficientemente especial para ser doutor. Mourinho, a quem certamente não interessam estas minhas especulações, acaba, pois, por dar expressão a um preconceito típico na sociedade portuguesa, que Coimbra interpreta de modo muito particular: o complexo do “self-made man”.
A sociedade portuguesa convive, indulgentemente, com alguns exemplos de sucesso, forjados à margem das academias e do saber formal, o tipo de predicados que durante muito tempo se confundiam mesmo com a descendência das boas famílias. Mas isso não impede que, em círculos mais restritos, se assinale algum desprezo pela “escola da vida”, muito confundida - creio que injustamente - com uma certa apetência videirinha.
Coimbra, por sua vez, é ela própria a “cidade dos doutores”, exponenciando, subliminarmente, o complexo do “self-made man“. Resulta claro que uma “cidade dos doutores”, embora possa usar de alguma bonomia na convivência com os “self-made men”, não deixa de lhes recordar que a sua presença representa uma consentida profanação. Creio que perdemos, com isso, um capital de sucesso, competência e profissionalismo.
Coimbra, ao contrário de Mourinho, considera-se digna de ser doutora, mas resiste, não sei se por humildade, a ser uma “special city”. Resta-me acreditar que, tendo-se proclamado, há dias, uma cidade “inteligente”, acabe, mais tarde ou mais cedo, por chegar lá.
Hoje, no JN.