15.7.09

Cartas de amor ridículas



Quando, há uns dias, tomei conhecimento do “profundo acto de amor” que o dr. Encarnação dedicou a Coimbra - saiba-se, a sua recandidatura - lembrei-me de Álvaro de Campos. Bom, sejamos honestos, não foi exactamente assim. Lembrei-me primeiro de fazer uma rábula com aquela despropositada declaração. E apercebi-me, depois, que aquele heterónimo de Pessoa me dava jeito e que, ademais, me envolvia numa certa aura de erudição. Pois, adiante.

Quando - faz de conta - me lembrei de Álvaro de Campos, logo após - faz de conta - a pirosa manifestação de amor por Coimbra com que o dr. Encarnação justificou a sua recandidatura à câmara, pensei num poema que, confesso, não relia desde a adolescência. Aquele das cartas de amor: “Todas as cartas de amor são/Ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem/Ridículas. Também escrevi em meu tempo cartas de amor,/Como as outras,/Ridículas.” Mas, quando me preparava para desbravar terreno e provar a relação entre o anúncio do dr. Encarnação e a poesia pessoana, deparei-me ainda com uma entrevista que, não favorecendo o dr. Encarnação, ao menos lhe patenteia alguma coerência. E antecipa, com notável honestidade intelectual, o golpe traiçoeiro que este escriba impertinente lhe vinha preparando.

Ora, disse o dr. Encarnação ao jornal universitário “A Cabra”, em 2005, quando perguntado se reconsideraria candidatar-se em 2009, que…“não”. Que isso lhe fazia “lembrar pessoas que dizem que não se recandidatam mas depois avançam“. Que isso fica “mal” a essas pessoas e que é uma “falha na credibilidade dos políticos”. Mas disse mais: disse, com todas as letras, com todos os efes e erres, que acha isso…“ridículo”.

Pois bem, é um facto que a recandidatura do dr. Encarnação, após ter dito que não reconsiderava, lhe fica mal. É também verdade que esse golpe de asa representa uma falha na sua credibilidade. E, devo dizer, respeitosamente, que não precisava o dr. Encarnação de dedicar uma carta de amor ridícula a Coimbra para que a sua atitude, neste contexto - e nas suas exactas palavras - o fosse, efectivamente. Ridícula, claro. Mas concluo que, num louvável acto de coerência, o dr. Encarnação não quis tornar a sua recandidatura menos ridícula do que ele próprio havia prometido em 2005. E, pudesse a falta de palavra, só por si, falhar o troféu, preferiu assegurá-lo com uma nota de arrebatado romantismo.

Não refeitos de tanto amor, muitos baterão com os talheres no prato - como nos casamentos - para que o nubente Encarnação beije a cidade em apaixonada euforia. De Outubro em diante - espero que antes - elevarão as mãos à cabeça quando, finalmente, perceberem o que aí vem: quatro anos de ressaca. Miserável e, já se adivinha, ridícula.

Hoje, no JN.