Eduardo Lourenço visitou Coimbra na passada semana, a convite das Fundações Inatel e Mário Soares, para falar das “novas respostas da cultura”. Não desiludiu, como se previa, e acabou por deixar claro, depois de um impressionante exercício de reflexão, que afinal não há resposta nenhuma. Desenganou depressa os que contavam com o esplendor da cultura para resolver os males do mundo. A cultura não é a resposta, é a própria pergunta. Uma força interior que distingue os homens dos bichos e que lhes garante a liberdade de uma existência original, uma existência que a natureza - por si só - não determina.
Esta ideia - que acaba por ser uma resposta estimulante - fez pesarosa notícia nos jornais. E, para além dela, fez notícia o “alerta” (expressão dos jornais, não do filósofo) de que a “humanidade vive um apocalipse suspenso”. Os jornais, como de costume, a decretarem, assim, o próprio apocalipse, e desta forma a des-suspenderem-no, neste tempo em que a existência das coisas se confunde com o seu anúncio.
Não creio, embora possa ter percebido mal, que ao “aliviar” a cultura de responder, pelo menos convencionalmente, aos desafios sociais, o professor Eduardo Lourenço quisesse desesperar o povo. Como não creio que pretendesse o filósofo precipitar o apocalipse, anunciar a derrocada do mundo em Coimbra, como as notícias entretanto publicadas parecem indiciar. A ruína da humanidade, ou chegará sem aviso, ou não creio que se faça anunciar na Rua Pedro Monteiro, à Sereia. Por outro lado, essa “notícia”, como revelação final, acabada, do pensamento culto, como a inapelável sentença de um cultor é, de certo modo, incompatível com a tal ideia - inspiradora, digo eu - de que a cultura é a pergunta, não é a resposta.
Faltou contar o modo como Eduardo Lourenço começou a sua exposição, revelando aos presentes que, no seu tempo de estudante em Coimbra, os professores da cidade não davam aqui conferências. Eram os estrangeiros, os que vinham de fora - como que de um paraíso longínquo - que encantavam os intelectuais da cidade, como se fossem verdadeiros enviados celestes. Ficou no ar que o fascínio pelos conferencistas estrangeiros - não faltando em Coimbra intelectuais de prestígio - era, sobretudo, consequência dessa sua condição. O desprezo pelos santos da casa e o apreço pelos forasteiros.
No caso de Eduardo Lourenço, em todo o caso uma personalidade genial, não é fácil saber se o seu afastamento do país concorre muito ou pouco para o entusiasmo, incomum, com que a cidade o recebe - o autor de “O Labirinto da Saudade”, não sendo estrangeiro, é pelo menos estrangeirado. Mas fica por saber, sobretudo, se foi inocente aquele comentário, vindo de um irreverente psicanalista da sociedade portuguesa, que conhece bem Coimbra e, decerto, muitas das suas idiossincrasias. Os jornais não tocaram no assunto. E eu tive - por mim, não por Coimbra, entenda-se - vergonha de perguntar.