16.7.09

Plano Municipal de Saúde para Coimbra

Publico, abaixo, comunicação que proferi ontem, na Escola de Verão - Peer 2009, organizada pela Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, no âmbito de um projecto de investigação internacional. Tendo por tema "O DESAFIO DAS CIDADES SAUDÁVEIS",acabei por projectar a análise em Coimbra e deixei a proposta de um Plano Municipal de Saúde.

1.A SAÚDE DAS CIDADES

A cidade é a casa verdadeira dos cidadãos. Mais do que a sua habitação. Muito mais do que a dimensão país ou o mundo global.

Na verdade, o próprio conceito de "Cidadania" tem origem etimológica no latim civitas, significando "cidade" e designa um estatuto de pertença de um indivíduo a uma comunidade politicamente articulada e que lhe atribui um conjunto de direitos e obrigações. (http://www.eurocid.pt/)

É pois razoável dizer-se que a cidade, onde os homens se encontram, onde trabalham, onde respiram, em cuja administração participam, é o seu lugar primeiro. É na cidade que parte significativa da população passa o seu tempo. E, mesmo a globalização, referência geo-cultural integradora, impõe que se aja localmente, ao nível da comunidade que nos acolhe e que, no fim de contas, nos preenche e nos orienta.

Vêm, por isso, de longe, as preocupações com a organização da cidade, com o seu planeamento, com a administração do seu território.

Vem de longe a ideia de que o bem-estar dos cidadãos, a sua qualidade de vida – conceitos necessariamente difusos – estão intimamente ligados ao ordenamento urbano.
Vem, pois, de longe a ideia de que a saúde dos cidadãos – um conceito amplo de saúde, a que, adiante, voltarei – está associada a uma cidade sem doenças; uma cidade, ela própria, que se apresenta como um organismo vivo. Muitos autores se têm debruçado, de resto, sobre o “metabolismo urbano”.

De qualquer das formas, creio fazer sentido dizer que a saúde nas cidades é indissociável da saúde das cidades.

Aristóteles, no seu Tratado de Política, escreveu:

“Quanto à comodidade intrínseca, é preciso, no que respeita à situação das cidades, ter em consideração quatro coisas.

Em primeiro lugar, a salubridade é essencial; por conseguinte, deve preferir-se a exposição e os ventos do Oriente como mais sãos…

Como o essencial é, antes de mais, providenciar à saúde dos habitantes… estes problemas merecem a maior atenção: porque não há nada mais importante para a saúde como o que é de uso diário e contínuo, como o ar e a água.”

Aristóteles referia-se, assim, à cidade como espaço de desejável salubridade. A cidade que é, ou deve ser, simultaneamente, um nicho de liberdade e de segurança, ambos requisitos de cidadania plena para os quais a saúde, decisivamente concorre.

A relação entre a cidade e a saúde vem, diga-se, desde as origens do urbanismo.

Basta ver, com Jorge Gaspar, que a disponibilidade de alimentos, um dos problemas básicos da saúde, esteve na origem da própria cidade. Foi a partir do momento em que as sociedades agrárias conseguiram produzir com regularidade excedentes alimentares – na China, na Índia, na Mesopotâmia – que se promoveu a diferenciação social do trabalho e foi possível concentrar funções que beneficiariam das chamadas economias de aglomeração. Tendo sido esta aglomeração que implicou novas infra-estruturas e colocou novas questões de natureza sanitária: abastecimento de água, esgotos, arejamento; além da exposição a outros riscos, como incêndios, cheias, epidemias…

São também conhecidas as discussões em torno, por exemplo, do tamanho óptimo da cidade, como resposta às disfunções da era pós-industrial e, muito antes, na própria Roma Imperial. As medidas higienistas de Roma, no período do Império, como a higiene na via pública, os espaços verdes, o abastecimento de água e os cemitérios, representam, lá longe no tempo, respostas ao crescimento excessivo da cidade, indissociáveis de uma certa ideia de salubridade na concepção urbana.
Londres, Paris, Berlim e Nova Iorque, são exemplos de cidades que, com o advento da industrialização, se confrontaram, dramaticamente, com a necessidade de equilibrar crescimento e inovação, com saúde e sustentabilidade.

Berlim, no início do século XX tornou-se um caso extremo, tendo a sua população passado, entre 1890 e 1910, de 1,9 milhões para 3,7 milhões de habitantes.

Também no dealbar do século XX, Nova Iorque era a cidade com maior população imigrante no mundo e Paris, desde os finais do século XVIII, assistiu a um crescimento enorme da sua população, não tanto por via de uma industrialização que vinha em contínuo, mas associada ao enorme surto de construção civil, em parte ligada à nacionalização dos bens dos emigrantes e, sobretudo, dos bens eclesiásticos.

Lisboa, por fim, numa dimensão diferente, viu acumulados problemas como o terramoto de 1755, as invasões francesas, as guerras civis, as epidemias de cólera, a industrialização e o êxodo rural. Todos em concurso para a insalubridade urbana, que confunde, necessariamente, o estado de saúde das cidades com o estado de saúde dos cidadãos.

Sobrevoar a história do planeamento urbano, o modo como os antigos se viram forçados a lidar com a concentração das populações e com o crescimento, na óptica do bem-estar colectivo, da saúde da comunidade, em sentido amplo, é um primeiro passo decisivo para compreender os desafios que, hoje ainda, longe de estarem resolvidos, se colocam aos decisores políticos, à sociedade civil, aos académicos, às empresas, a cada um dos cidadãos.

A saúde das cidades é, necessariamente, um projecto multidisciplinar e intersectorial, que convoca, desde logo, o planeamento urbano, mas que nos convoca a todos.

Na esteira do que vem dizendo o Arquitecto Ribeiro Telles, “o homem tem de dominar o lugar, mas sem o destruir.” E, permito-me eu acrescentar, sem se destruir.


2.O DIREITO À PROTECÇÃO SAÚDE

Mas porque dedicamos nós, afinal, tanta atenção à saúde? A resposta parece, empiricamente, óbvia. Sobretudo se nos cingirmos a uma concepção assistencial, unilateral, de saúde. À saúde dos direitos. No limite, ao direito que temos de estar vivos.

Outra coisa, no entanto, é falar da promoção da saúde. Falar da saúde dos direitos, mas falar, também, da saúde dos deveres. Individuais e comunitários.

A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 64º, estabelece o seguinte:

Direito à Saúde

1. Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover.

Bem se entende que no capítulo dos Direitos e Deveres Sociais, a saúde esteja inscrita como uma sua dimensão fundamental. A Constituição de 1976 consagrou, assim, um direito universal à defesa e protecção da saúde, logo reforçado, designadamente, pela Lei de Bases da Saúde e pelo Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, cuja paternidade, sublinhe-se, pertence a uma personalidade de Coimbra, o Dr. António Arnaut.

E na esteira do que defende Gomes Canotilho, a dignidade do direito à protecção da saúde impõe, de resto, a inconstitucionalidade das medidas legislativas que, na prática, impliquem a “anulação”, “revogação” ou “aniquilação” desse Direito Fundamental Social, no que seja o seu núcleo essencial.

Mas o Direito à Protecção da Saúde, tendo este respaldo constitucional, é sobretudo uma conquista universal de civilização, um imperativo ético, intimamente associado à construção de sociedades justas e plurais, indissociável do reconhecimento da dignidade da pessoa humana. Note-se, por exemplo, com Rui Nunes, que “o art.3º da Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedecina (1997) reconhece a existência de um direito à saúde”. O Direito à protecção e promoção da saúde é determinante para o exercício efectivo da igualdade de oportunidades e é, nesse sentido, condição de liberdade e condição, claro, da democracia.

Por outro lado, como já se assinalou, a protecção da saúde não se traduz apenas num direito. Tem ínsito um dever – individual e colectivo – de promoção da saúde. Aos cidadãos compete zelar pela sua própria saúde e pela dos seus, abstendo-se de comportamentos nocivos e adoptando estilos de vida saudáveis. À sociedade em geral, solidariamente, cabe organizar-se no desenvolvimento de estratégias multidisciplinares e intersectoriais que protejam a saúde e promovam uma cidadania responsável.

Com efeito, debruçando-nos ainda sobre a Constituição, e sobre o nº2 do artigo 64º, verificamos que o direito à protecção da saúde se realiza, quer “através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito”; quer, sublinhe-se, pela “criação de condições económicas, sociais, culturais e ambientais que garantam, designadamente, a protecção da infância, da juventude e da velhice; pela melhoria sistemática das condições de vida e de trabalho; bem como pela promoção da cultura física e desportiva, escolar e popular; e ainda pelo desenvolvimento da educação sanitária do povo e de práticas de vida saudável.”

Eis, portanto, a assumpção de um conceito amplo de saúde, aquilo a que alguns chamam uma abordagem holística da saúde, em que a saúde é considerada “produto social, isto é, com Mendes, resultado das relações entre os processos biológicos, ecológicos, culturais e económico-sociais que acontecem em determinada sociedade e que geram as condições de vida das populações.

Esta ideia foi aliás reforçada pela Carta de Otava, elaborada na Primeira Conferência Internacional de Promoção da Saúde realizada no Canadá, em 1986. A concepção ampla de saúde caracteriza-se, assim, para lá da mera ausência de doença, assimilando-se a um “estado adequado de bem-estar físico, mental e social que permite aos indivíduos identificar e realizar as suas aspirações e satisfazer as suas necessidades”.

Este é, pois, um desígnio que nos interpela a todos, que interpela as consciências e que desafia os poderes públicos, conjuntamente com as organizações da sociedade civil. E creio que o decisivo campo de batalha pode e deve ser a casa dos cidadãos, a cidade - a civitas latina - que não deve, ela mesma, padecer, como já foi dito e que deve ser um espaço de saúde, de bem estar e de conforto social. Por isso, também, um espaço de justiça, de liberdade e de democracia.

3.A REDE PORTUGUESA DE CIDADES SAUDÁVEIS

Chegados aqui, creio terem ficado claros três pressupostos relevantes:

Primeiro, a ideia de que a saúde nas cidades é indissociável da saúde das cidades. As cidades, elas mesmas, que são a casa dos cidadãos, determinam decisivamente as condições de exercício de uma cidadania plena e devem ser pensadas, projectadas e desenvolvidas, estruturalmente, como espaços de saúde e de bem-estar.

Segundo, a afirmação da saúde como Direito Fundamental, conquista universal de civilização, um imperativo ético, intimamente associado à construção de sociedades justas e plurais, indissociável do reconhecimento da dignidade da pessoa humana.

Terceiro, uma concepção holística da saúde. A saúde como direito, mas também como responsabilidade individual e comunitária, que se projecta expressivamente no contexto urbano, não apenas do ponto de vista estrutural, mas também como unidade de produção social que a cidade é, ou seja, processadora das relações biológicas, ecológicas, culturais e económico-sociais que determinam a qualidade de vida das populações.

Estamos, pois, em melhores condições para avançar para o desafio das cidades saudáveis, para a história da criação da Rede Portuguesa de Cidades Saudáveis, para as suas virtualidades e para o caminho que ela nos impõe.

Se atentarmos na Base IX da Lei de Bases da Saúde, podemos ler que sem prejuízo de eventual transferência de competências, as autarquias locais participam na acção comum a favor da saúde colectiva e dos indivíduos, intervêm na definição das linhas de actuação em que estejam directamente interessadas e contribuem para a sua efectivação dentro das suas atribuições e responsabilidades.

Apesar desta formulação cautelosa, produto normal do sempre difícil quadro de relacionamento entre os níveis central e local de poder público, fica clara uma ideia de participação e responsabilização das autarquias locais no domínio da saúde.

E, se pensarmos bem, agora que se aproximam eleições autárquicas, seria bizarro ver os candidatos que pomposamente anunciam melhores condições de vida para as suas populações renunciarem à promoção da saúde como desígnio. Argumentos contra, os de quem entenda a saúde, apenas, no seu vector assistencial, ligado à prestação de cuidados médicos e à ausência de doença. Mas sobre isso, creio que já laborámos o suficiente.

Falamos pois, neste ponto, finalmente, da saúde nas cidades, indissociável da saúde das cidades e que encontra raízes históricas longínquas.

A proposta de construção de cidades saudáveis radica, primeiramente, em Toronto, Canadá, em 1978. Pretendia-se, com o documento “A saúde pública nos anos 80”, estabelecer as linhas de acção política, social e de desenvolvimento comunitário no nível local, como resposta aos principais problemas de saúde pública.

Posteriormente, já em 1986, a Organização Mundial de Saúde, o governo do Canadá e a Associação Canadiana de Saúde Pública organizaram a Primeira Conferência Internacional pela Promoção da Saúde, que deu origem à Carta de Otava, então subscrita por 38 países.

A promoção da saúde passou, a partir daí, a ser crescentemente considerada num grande número de países e foi nesse contexto que surgiu o Movimento das Cidades Saudáveis, ainda no Canadá, com o intuito de operacionalizar a promoção da saúde à escala local.


Um município saudável, de acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde, é “aquele em que as autoridades políticas e civis, as instituições e organizações públicas e privadas, os proprietários, empresários, trabalhadores e a sociedade dedicam constantes esforços para melhorar as condições de vida, trabalho e cultura da população; estabelecem uma relação harmoniosa com o meio ambiente físico e natural e expandem os recursos comunitários para melhorar a convivência, desenvolver a solidariedade, a co-gestão e a democracia (1996)”.

Também de acordo com a Organização Mundial de Saúde (1995), para que uma cidade se torne saudável, ela deve esforçar-se para proporcionar:

1. Um ambiente físico limpo e saudável;
2. Um ecossistema estável e sustentável
3. Alto suporte social, sem exploração;
4. Alto grau de participação social;
5. Necessidades básicas satisfeitas;
6. Acesso a experiências, recursos, contactos, interacções e comunicações;
7. Economia local diversificada e inovativa;
8. Orgulho e respeito pela herança biológica e cultural;
9. Serviços de saúde acessíveis a todos;
10. Alto nível de saúde.

Este elenco diz muito e bem da complexidade deste desafio. Mas diz também muito da ambição colocada no que à gestão das cidades diz respeito, um desafio a que Portugal – de resto histórica e constitucionalmente comprometido, desde há muito – não poderia deixar de responder.

Foi, pois, neste contexto, e no contexto da Rede Europeia de Cidades Saudáveis, que Portugal criou, em 1997 a Associação de Municípios Rede Portuguesa de Cidades Saudáveis. Em Viana do Castelo, associaram-se como fundadores, nove municípios, tendo a rede passado a contar com a adesão de vinte e um municípios, no ano de 2007, quando completou uma década de existência.

Foi a consciência de que a saúde das pessoas que vivem no meio urbano é fortemente determinada por múltiplas causas sociais, económicas, políticas, ambientais e comportamentais que determinou, originariamente – e que hoje ainda determina – o compromisso destes municípios com o Projecto Cidades Saudáveis.

E desde a fundação da Rede, registam-se múltiplas iniciativas, espalhadas por municípios de Norte a Sul do país.

Destaco, apenas como exemplos, os “Percursos Rurais e Urbanos” de Bragança, o “Cantinho da Nutrição” em Lisboa, as “Artes da Saúde em Odivelas”, os “Domingos Saudáveis”, em Viana do Castelo. Ou, ainda, o “Concurso Bio Prato” na Lourinhã, o “Programa de Luta Contra a Obesidade Infantil”, em Miranda do Corvo, as “Bugas” em Aveiro ou o “Observatório de Segurança Rodoviária”, no Concelho do Seixal.


Todas as iniciativas que os municípios vêm desenvolvendo, no contexto da Rede, representam um esforço de aproximação à abordagem holística da saúde de que falámos e todas merecem, nessa perspectiva reconhecimento.

Efectivamente, os municípios envolvidos empenharam-se para colocar a saúde como prioridade na agenda política, assumindo-a como geradora de igualdade de oportunidades, de liberdade e de igualdade entre os cidadãos, de bem-estar social, de desenvolvimento sustentável.

Temo, porém, que este, em todo o caso assinalável, esforço, venha a redundar num somatório de iniciativas dispersas, nem sempre obedecendo a uma estratégia de fundo, nem sempre integrando todos os actores e todos os domínios de acção, incapaz, por isso, de elevar a saúde municipal a um verdadeiro vértice de intervenção estratégica.

Por mim, creio que é possível ir além no desenvolvimento do Projecto. E creio que, sem prejuízo do impulso agregador da Rede, é em cada Município, com as suas características próprias, com o envolvimento de toda a comunidade, que os verdadeiros avanços surgirão.


Apenas como provocação, digo que não faz sentido passar dos planos Global e Nacional para o Plano Municipal - assinalando-lhe as virtudes de proximidade, eficácia e participação - como se fez com o nascimento do conceito Cidades Saudáveis, para depois permitir que o desempenho local se veja demasiado dependente das Redes, abstraindo da responsabilidade própria - indispensável - de cada Município.

As redes devem catalisar o Movimento das Cidades Saudáveis, mas não são elas os termos principais da reacção.

A responsabilidade é das comunidades locais. A responsabilidade é de cada um de nós cidadãos. E é urgente que seja assumida, inapelavelmente.


4.UM DESAFIO PARA COIMBRA

Chegamos então, finalmente, a Coimbra. Aos desafios que, neste contexto, a cidade tem pela frente.

Mas fará sentido dizer que Coimbra, a cidade Capital da Saúde, tem ainda algum caminho para fazer neste domínio? Não se esgotará este exercício apenas num acto de irreflectida impertinência?

Como notas prévias, gostaria de dizer o seguinte:

Em primeiro lugar, e já o disse noutras ocasiões, creio que os títulos porque tantas vezes se anseia na cidade dos estudantes têm um efeito paralisador.

Proclamar a Capitalidade de Coimbra na Cultura é o primeiro passo para lhe adormecer o génio. Proclamar-lhe a liderança no Conhecimento é um passo decisivo para lhe refrear a ambição. Dizer que Coimbra é a Capital da Saúde, embora nos comova, deixa-nos com a impressão de que chegámos ao fim da história, o que, na Saúde, como na Cultura ou na Ciência é, para dizer o menos, improvável..

Coimbra não precisa de flores na lapela para se fazer bonita. Nós que temos o privilégio de viver na cidade e que temos a responsabilidade de participar no seu desenvolvimento, devemos evitar condecorações que, na maior parte dos casos, pretendem ajustar, prematuramente, contas com a história.

A história escrever-se-á pelas mãos de cada um de nós. E pelas mãos dos que, mais tarde, hão-de vir.

Há muito caminho para fazer. As notícias sobre a morte de Coimbra, sobre o fim da sua história são, portanto, claramente exageradas.

Em segundo lugar, gostaria de dizer que a Capitalidade de Coimbra, na Saúde, não dependerá apenas da excelência e diversidade dos seus Hospitais ou do número de médicos per capita com que podemos contar. Como resulta claro – e não me alongarei por aí – das alusões anteriores, a respeito da protecção da saúde em sentido amplo.

Mas avançando, a adesão de Coimbra à Rede Portuguesa de Cidades Saudáveis, fica marcada, sobretudo, por dois momentos. O momento da sua entrada, aquando da fundação da Rede, em 1997. E o momento da sua saída, corria o ano de 2003.

Razões de natureza organizativa e creio, também, de ordem financeira, conduziram à decisão de abandono, logo seguida da decisão de constituir um Grupo de Trabalho, no âmbito do Gabinete das Cidades Saudáveis.

Ora, é no seio deste Gabinete, no pressuposto de que ainda exista, que devem ser desenvolvidas as iniciativas tendentes a absorver o espírito do Projecto Cidades Saudáveis e é lá, também, que devem ser delineadas as políticas municipais neste domínio.


Como disse anteriormente, o simples facto de não fazer parte da Rede - embora traga custos de isolamento e o desperdício de algumas sinergias - não constitui, em si, uma tragédia. Desde que os municípios saibam assumir, integralmente, a sua responsabilidade nesta matéria.

Mas, quanto a isto, quero ainda dizer o seguinte:

Independentemente da irrelevância de títulos como o de Capital da Saúde; e ainda que, só por si, os equipamentos e recursos de saúde não sejam o bastante para transformar Coimbra numa Cidade Saudável, Coimbra tem, obviamente, condições singulares que podem, e devem, ser melhor aproveitadas.

O trabalho que a Escola de Enfermagem de Coimbra tem desenvolvido no âmbito da Educação pelos Pares é apenas um exemplo - embora um exemplo relevante - de como é possível envolver a sociedade civil, as instituições públicas e privadas, a comunicação social, as empresas, num projecto de educação para a Saúde, reconhecido na Comunidade e elogiado, quer em Portugal, quer no Estrangeiro.

E eu, que tenho tido o privilégio de colaborar com a Escola, com a sua Direcção, com os seus Professores e com os seus alunos, acredito que projectos como este, devidamente integrados e articulados, a par com outras iniciativas, de outros actores, nas áreas do ambiente, do ordenamento urbano, da segurança ou da protecção civil, para citar apenas algumas, podem resultar numa genuína e completa estratégia municipal de saúde, no que poderia ser, permitam-me a proposta, um verdadeiro Plano Municipal de Saúde para Coimbra.

Compreensivelmente, perpassa na sociedade portuguesa a ideia de que os Planos, como as Comissões ou os Grupos de Trabalho, não servem para coisa nenhuma. Mas também aqui, é preciso marcar a diferença entre fazer bem feito e fazer mal feito.

Quando falo de um Plano Municipal de Saúde, refiro-me a um instrumento que obedeça a prazos, que tenha por base um diagnóstico rigoroso, que defina a estratégia municipal numa lógica amplamente participada, que institua um verdadeiro Princípio de Integração da Saúde em todos os sectores de acção municipal, que envolva e comprometa todos os actores relevantes, cuja execução e resultados sejam regularmente fiscalizados e que se traduza, ao nível municipal, em verdadeiros ganhos em saúde.

A promoção de estilos de vida saudáveis, a educação para a saúde, o acesso aos serviços e cuidados, a equidade em saúde, o envelhecimento saudável, a promoção da saúde mental, a participação comunitária, a redução da prevalência de doenças associadas a estilos de vida, a qualidade ambiental, o planeamento urbano saudável, tudo isto deve ser propósito de quem queira, com responsabilidade, projectar e construir a Coimbra do Século XXI. Desconsiderar estas prioridades arrasaria, a prazo, o ambiente urbano e o convívio na civitas, comprometeria as fundações do próprio regime democrático e seria um golpe fundo na qualidade de vida dos cidadãos, de que tanto se fala, mas que é sempre difícil de caracterizar e, sobretudo, de concretizar.

Coimbra tem condições para se assumir como um exemplo a seguir neste domínio. As suas glórias maiores estão no presente e no futuro. Não estão no passado.

Se, de facto, fomos condenados à cidade, saibamos aproveitar a oportunidade que temos de converter essa pena em trabalho comunitário. Um trabalho na comunidade, para a comunidade e que envolva a comunidade como um todo. É esse o desafio, e também o compromisso, que vos deixo.

Coimbra, 15 de Julho de 2009

BIBLIOGRAFIA

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Andrade, J.C. Vieira. Os Direitos Fundamentais da CRP de 1976. Almedina, 2007
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